quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um cachorro morreu

Meu cachorro morreu.

Enterrei-o no jardim
junto a uma velha máquina oxidada.

Ali, não mais embaixo,
nem mais em cima,
vai se juntar comigo alguma vez.
Agora ele já se foi com sua pelagem,
sua má educação, seu nariz frio.
E eu, materialista que não tem fé
no celeste céu que foi prometido
para nenhum humano,
para este cão ou para todo cão
acredito no céu, num céu creio
onde não entrarei, mas ele me espera
ondulando sua cauda como um leque
para que eu ao chegar tenha amizades.

Ai, não direi a tristeza na terra
por não mais tê-lo como companheiro,
pois para mim jamais foi um servidor.

Teve a mim a amizade de um ouriço
que conservava sua soberania,
a amizade de estrela independente
sem mais intimidade que a precisa,
sem exagerações:
não subia sobre as minhas vestimentas
enchendo-me de pêlos ou de sarna,
não se esfregava contra os meus joelhos
como outros cães obsessivos sexuais.
Não, meu cachorro me olhava
dando a mim a atenção que eu necessito,
a atenção necessária
para fazer compreender a um vaidoso
que sendo ele um cachorro,
com esses olhos, mais puros que os meus,
perdia o tempo, mas ficava me olhando
com o olhar que reservou para mim
toda sua doce, sua peluda vida,
sua vida silenciosa,
perto de mim sem me incomodar nunca,
e sem me pedir nada.

Ai, e quantas vezes eu quis ter cauda
andando junto dele pelas margens
do mar, em pleno inverno de Isla Negra,
na grande solidão: tendo por cima o ar
transpassado de pássaros glaciais
e meu cão brincando, hirsuto, repleto
de voltagem marinha em movimento:
meu cachorro vagabundo e olfatório
arvorando uma cauda dourada
frente a frente ao Oceano e sua espuma.

Alegre, alegre, alegre
como os cachorros sabem ser felizes,
sem nada mais, como o absolutismo
total da natureza descarada.

Não há adeus ao meu cachorro morto.
Não há nem houve mentira entre nós.

Já se foi e o enterrei, e isso foi tudo.

(Pablo Neruda)

*em memória da Lua + 02/12/2010

Um comentário:

Anônimo disse...

..uma grande homenagem, para uma grande companheira!