quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um poema familiar...

Tempo para uma poética do incesto

                                               * Baseado na obra Lavoura Arcaica de Raduan Nassar


Olhos amenos. Nessa nossa embriaguez secular. Ninguém é o mesmo. No canto do quarto escuro. No abandono. Na solidão. Em todos os lugares onde não brilha o sol, mas erradia uma vontade enlutada de negação. Tempo... tempo... ele é quem decide. Sempre!

Risos de devaneio por debaixo do lençol. O chão. Bem perto daqui. Teus gemidos. Um silêncio ruidoso o teu riso. A igrejinha velha que ficou pra tapera. A confissão. O pecado. Revelação e os confins. Aqui o tempo é soberano - em todo lugar. Tempo... tempo... ele é quem decide. 

Jogo. Eu jogo. Eu ganho. Eu perco. Eu me encerro com o final da partida. Depois me calo. Guardo o sorriso. Vou pra casa. Todos me esperam. Mesa posta. O pão. O vinho. Todos muito amáveis e seus segredos. Brindam meu retorno. “Não há taça que não tenha um fundo de veneno”. Tempo... tempo... ele é quem decide.

As tábuas do corrimão da escada carcomidas pelo tempo. Meus passos de louco na solidão. Um inverno sem fim. A vida. E tudo muda. Tudo se transforma. “Os movimentos do Caos”. Tudo a nossa volta. Tudo! Tempo... tempo... ele é quem decide.

Eu e você. Improváveis para o amor. Nossa dor conjugada. Perdição! Você sempre aparece. Em sonho. Em morte. Em canção. Viva. Nos subterrâneos da memória. Você. Ilusão. Minha fome. Minha sede. Minha enfermidade. Minha loucura. Meu sopro. Minha lâmina. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Sob a égide do tempo a eterna luta. Liberdade? Tradição? A semente. A plantação. Um dia se colhe. Um dia a planta morre. E a terra pega de volta o que é seu. O homem da negação. Eu. Eu-planta. Eu-paixão. Te espero no tempo. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Descanso na beira de uma estrada poeirenta. Eu, reduzido a pó. Nada passa por aqui. A não ser... o tempo. Envelheço. Envelhece a estrada. Mas não o tempo. Esse tempo. O tempo da cura. O tempo que mata. Tempo... tempo... ele é quem decide.

A tempestade se aproxima. Antes, um pé de vento. Anunciação! A chuva chegando. No abrigo da mata me junto às plantas. Me enterro. Me cubro de folhas e terra. Volto à natureza. Um filho que retorna ao ventre da mãe. Mãe que embala meu sonho. Você está nele. Uma dança junto às folhas secas. Pés descalços no chão. Enquanto eu, deitado me movo. Rolo no capim. E a chuva começa. Charco. Lodo. Nós, mergulhados nessa transação. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Depois de tudo, a calmaria. Tua mão anêmica com leveza tocando meu rosto. Não foi sonho. Foi embriaguez. Acabamos bebendo do mesmo vinho. Um só ato. Numa só taça. Um só espírito. Nossa comunhão! A amargura da tradição. O sopro perfumado da liberdade. Tragédia no desconcerto de nossas crenças. Esse grão irá germinar. Se assim o tempo permitir. Tempo... tempo... ele é quem decide.

Nossos rostos úmidos. O movimento dos galhos das árvores. Mote para uma dança.  Acima de nós um novo sol que se espreme entre as copas das árvores. A tragédia anunciada no vento. Nosso cheiro. Um só cheiro. Aroma novo de um tempo novo. Nossos olhos amenos. O mundo ficando pequeno.

Tempo... tempo... ele é quem decide. Sempre!

2 comentários:

Carlos A. S. disse...

Baita poema!

Mariana Vinhas disse...

Belíssima poesia! Belíssima referência!