sexta-feira, 15 de abril de 2011

6 textos-manifestos publicados no jornal Voz do Oeste

Muçulmano, ateu e adotivo...

‘Muçulmano, tímido e soro positivo’. ‘Barbudo, diferente e adotivo’. ‘Estranho, ateu e doente’. ‘Sintomas de um assassino. Sintomas de um terrorista. Cuidado! Quanto topar com alguém que tenha essas características, muito cuidado, sua vida pode estar em risco’. É mais ou menos assim que tratam os atores deste espetáculo. Atores da vida real. Espetáculo midiático, televisivo. Um big brother cotidiano sem produção nem maquiagem, mas tratado como tal. Devemos ser todos ‘iguais’ para não sermos suspeitos, para não sermos confundidos ou mesmo relacionados com o ‘mal’. ‘O mal que vêm de fora, porque aqui é Brasil e no Brasil o mal tá na cachaça’. Datena, o pop-repórter policial disse que ‘quem é de Deus não faz uma coisa dessas’. ‘É coisa de quem não tem Deus no coração. Falta Deus na vida de gente assim’. Ouço isso desde sempre. Nasci ouvindo esse chavão. Essa máxima. Essa falácia. Mas se Deus perdoa como crêem os devotos dessa contradição, tá tudo certo, não? Eu não sei, não posso dizer nada, posso ser suspeito. Mas vamos livrar nossa razão. Nossos ícones e nossa cultura não podem ser questionados por isso. É um fato isolado. Foi a cabeça de um louco. Pronto, tá encerrado o caso. Os sabidos que explicam tudo e batem o martelo disseram. Então tá dito. Aí daquele que contestar! ‘Deve tá defendendo o bandido, né José?’ ‘Sim, sim, muié. É!’ ‘Jesuis tenha piedade desse monstro – disse a tevê’. ‘Amém!’. Na capa da Veja está lá bem grande: ‘MONSTRO!’. A Veja também tem culpa – observação. Revistinha reprodutora e sensacionalista como a maioria das revistas e matérias televisivas. Na Rede Globo, cavaram, cavaram até que encontraram um achado. Uma suposição, uma suspeita apenas. Só isso. Nada comprovado, nada real. Rumores e mais sensacionalismo. Tentativa medíocre de tentar livrar a cara do ocidente, o ‘santo cristianismo medievalesco’, a nossa cultura. Amaciar e anestesiar o problema (que está além, muito além...). Estão conseguindo, mais uma vez, afastar a sombra da realidade e continuar com este conto de fadas horroroso. ‘O monstro estava influenciado pelo islã, pelo Alcorão’. ‘Pronto, tá aí José! Eu sabia muié!. Sabia que era daqueles terrorista barbudo árabe lá que não acredita em Deus!’. Diante disso, salve-se quem puder!



Custa caro, muito caro!

Depois de tentarem, e de certo modo conseguirem ‘alienar’ o caso do atirador naquela escola do Rio (eu nem cito o nome do indivíduo, por que isso é o que menos importa – não para a mídia que acaba de canonizar ele ao ‘lado negro da força’ e por outro lado, santificar ao ‘lado branco da força’ o policial que desferiu os tiros não permitindo que, possivelmente, a matança continuasse). Ok! O policial cumpriu com seu papel, parabéns! Sou professor, e a cada aula, cumpro com meu papel. Sou cronista, e ao acabar este texto também terei cumprido com meu papel, logo, serei herói (?). Tudo bem, tudo bem, não salvei ninguém (será?). Mas vamos aos fatos que falam por si só. Outro vídeo que foi encontrado no habitat do ‘monstro’ (como esta palavra soa bem na televisão e pela boca dos ávidos pela tragédia!), traz seus seguintes dizeres: "A maioria das pessoas me desrespeitam, acham que sou um idiota, se aproveitam da minha bondade, me julgam antecipadamente, são falsas (...). Descobrirão quem sou da maneira mais radical. Uma ação que farei pelos meus semelhantes, que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, pelo fato de serem diferentes, de não fazerem parte do grupo dos infiéis, dos desleais, dos falsos, dos corruptos, dos maus. São humilhados por serem bons". Na sua fala, o atirador deixou evidente que não era ‘totalmente maluco’, ou sofria simplesmente de um desvio ‘mental’. As declarações são de um ‘meio maluco’. Pretexto para a sua ação deplorável ou vingança social? O ‘meio maluco’ demonstra certa ‘consciência’ dos seus atos. Agora, fica fácil pegar o fato e acima dele fazer discurso, publicidade, campanha, sensacionalismo. O termo ‘infiéis’ tem clara conotação religiosa, ou influência, no mínimo. O atirador fez ou reproduziu o que a todo o momento se vê por aí, através dos meios de comunicação de massa, reflexo de valores que vivem a pregar ídolos, ícones, heróis, exemplos a serem seguidos, sem o contexto adequado. Assumiu um personagem onde ele mesmo foi seu próprio herói, seu próprio justiceiro. Apontou sua ira destrutiva para os alvos errados, mas fez. Os motivadores se retiram da ‘cena do crime’, deixando os mais desavisados vulneráveis a todo o risco. É a autodefesa de determinados valores que tem um preço, e que continuaremos pagando se assim continuarmos sendo.

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