domingo, 3 de abril de 2011

O melhor entre os piores

Ele era o melhor entre os piores e só sorria quando alguém chorava. Seu passa tempo era tornar as coisas piores do que elas já são. Acreditava em deus, mas se dizia ateu. Escondia sua paixão pelo vizinho descontando-a na irmã mais nova, em forma de raiva. A esbofeteava e sentia prazer com isso. Gritava no microfone numa bandinha de rock adolescente do bairro. Se achava ‘o mais punk’ da cidade por isso. Pensava que era um grande escritor, poeta e filósofo, reproduzindo aforismos tirados de livrinhos de iniciação. Fazia de alvo seus inimigos imaginários, mesmo tendo todo um modo de vida, um sistema pra isso a sua frente. Não aceitava que criticassem seus textos de internet. Saia à tapa: ‘sou punk cara!’. Defendia sua falta de razão a qualquer custo. Volta e meia saia de casa para assustar velhinhas e criancinhas na rua enquanto uma paranóia o perseguia. Sentia uma dor no peito que não sabia de onde vinha. Um vazio existencial. Seu submundo era um submundo maquiado de grande mundo. Sentia inveja do submundo onde viviam poetas, loucos e vagabundos iluminados. Lia Bukowski e Nietzsche, mas não compreendia. Transformava tudo na mesma coisa e levava a vida com uma arrogância típica da pequena burguesia. Um dia afundou no sofá assistindo um filme infanto-juvenil onde magos e discípulos de magos faziam magias uns contra os outros. Teve um orgasmo! O tempo passou e o melhor entre os piores envelheceu, como todo mundo. Até que um dia descobriu que vivia fantasiosamente num mundo só seu, onde os pesadelos confundiam-se com os sonhos. Neste dia, entrou em desespero e pela primeira vez sentiu o gosto da salmoura em sua boca. Saiu pela rua, confuso e tonto. Encontrou uma porta aberta e seguindo a música entrou. A igreja estava lotada. ‘Universal do Reino de Deus’ constava acima do altar em letras gigantescas. Se aproximou e foi liberto pelo pastor em um único grito: ‘Saaaaaaai desse corpo!’. Sentiu-se outro. A dor no peito foi embora. Pensou que iria mudar, mas já era tarde pra isso. Voltou atrás, mas não encontrou mais nada. Nenhum sentido se quer. Passou o resto dos seus dias envolvido com telenovelas e uma aposentadoria gasta em remédios. E sua história foi quase nada... Ou isso tudo.


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