sexta-feira, 8 de abril de 2011

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Violência social I

Estou triste. A morte daquelas crianças-adolescentes na escola do Rio me doeu. O atirador, um rapaz transtornado na casa dos seus vinte anos. Não venham me dizer que alguém faz isso por que é mau, ou porque está refém do capeta. Isso é asneira! Não existe bem nem mal. Isso é invenção religiosa como é a mentira do livre arbítrio. Existe algo ‘maior’ por trás de atos/fatos como este. Nos meios de comunicação, como sempre, tentam encontrar ‘o motivo’, ‘a culpa’. A atitude explosiva do atirador tem ‘motivos’: sociedade militarizada por um pseudo-heroísmo espetacular vinculado pelos próprios meios de comunicação de massa. Alguém que ‘nunca foi nada’, e que tragicamente, agora é. Entrou pra história e não é mais um ser invisível. Sucesso, fama, status! - nossa cultura não promove isso? Palavras do Governador do Rio: “Psicopata! Animal!”. Tão simples assim governador? Quanta estupidez se fala quando não se tem nada pra dizer! Na suposta carta deixada pelo atirador existe um forte teor de ‘fanatismo religioso’ que via ‘impureza nas crianças’ (alguns crêem que a religião pacifica). Uma ‘especialista’ no assunto cogitou o bulling. Mas o que é o bulling senão a ‘reprodução de valores sócio-culturais do mundo adulto’? Uma sociedade individualista que promove a disputa de mercado, a tal ‘livre concorrência’ liberal-burguesa, modelos forjados e idealizados de beleza física, etc. É só parar um pouco na frente da própria televisão e refletir sobre sua programação. É só ouvir rádios com um pouco mais de audição crítica e perceber a inundação de músicas medíocres que promovem esses valores. É só atentar para o discurso de pastores e/ou padres nos canais onde religiões ‘compram’ seus espaços. Tudo muito discursivo e com fins comerciais. ‘Pessoas-produtos’. Cultura moralista, hipócrita, e medíocre! Cultura da violência do cinema e jornalismo sensacionalistas, e das intrigas pessoais das telenovelas. ‘Violência-produto’. E quem sofre com o ‘espetáculo’ deste circo de horrores? As crianças (vítimas dessa sociedade doente). Ainda tentam achar ‘um’ culpado, ‘um’ motivo. Sim, temos culpados. Temos motivos – no plural. Não adianta agora tentar jogar ‘tudo’ no surto de um cadáver. O sujeito também morreu. Foi um produto dessa cultura que fez suas vítimas. Por tudo isso, às vezes, sinto vergonha de ser adulto.
 
 
Violência social II

Por mais que eu não me cale, que escreva, critique, sugira, que com minha música e meus poemas, toque o coração, a alma e a consciência de algumas pessoas, que nas minhas aulas eu busque discutir, questionar, ampliar o conhecimento, a consciência individual e coletiva, o acesso aos ‘bens culturais’, tudo em busca de um ‘bom senso’, por mais que eu faça ‘minha parte’ e que ela seja humanizadora, ainda assim, acho muito pouco. ‘Minha parte’ é muito pouco. Sinto um aperto no coração por isso, pois pertenço a este mundo adulto. Por mais que questione e desconstrua idéias, ideais e morais inflexíveis e hipócritas, em prol de um diálogo sócio-cultural e humano-existêncial (mas não ‘cristianizado’), sei que as instituições e seus valores mecânicos são mais fortes do que a minha palavra. Aliás, sou apenas um professor. Sou apenas um compositor-poeta, um ‘artista’ que deixa parte do seu suor com os outros. Um pouco ‘louco’ um pouco lúcido. Mais do que nunca, tenho os pés no chão, mas às vezes me lanço em vôos mirabolantes. Crianças feridas e mortas, o ápice da violência social. Eu na minha loucura-lúcida, tenho uma palavra pra tudo isso: Poder! O poder na nossa sociedade é algo alimentado como uma conduta ‘existencial e necessária’. Quem não tem poder não tem voz, essa é a máxima. E poder significa status, visualização, evidência, aparecimento. Quem é ‘invisível’ não tem poder. Alguns o adquirem sem querer, pela sua função, outros por uma busca desenfreada. O sentimento de poder é alimentado por quase todos os lados da sociedade. Nisso, atirar com uma arma de fogo também dá uma ‘sensação’ de poder. Adrenalina dá poder, seja ela num jogo de vídeo game ou mesmo numa partida de futebol. Ganhar o jogo, ser destaque, chegar lá. O descarrego das frustrações cotidianas e sociais. O preenchimento de um ‘vazio existencial’. Nossa cultura quase não permite a falta de poder. Por mais que ‘especialistas’ tentem ‘explicar’ ou encontrar fundamento num ato de violência, justificando-o como ‘doença mental’, isso ainda é pouco. Além disso, somos cria do meio em que vivemos e temos parte nisso. No entanto, o que oferecemos pras nossas crianças como ‘alternativas’ de vida, de felicidade, além do dito ‘mercado de trabalho’, da disputa e alcance de poder? Além da salvação da alma? Nós, adultos e responsáveis por quase tudo?
 
 
Violência social III

Cultura armamentista. Militarizada. Cultura do medo (medo da punição, da lei, da família, medo de Deus, medo pela ‘fé’). Parte significante da população é a favor das armas de fogo do mesmo jeito que parte da sociedade reproduz a cultura do medo. Um dos grandes produtos culturais dessa nossa sociedade é a violência. Não que o homem seja violento ‘por natureza’, ou mal, nem pacifista ou bom. Esses são conceitos criados a partir de discussões teóricas e filosóficas. Mas a violência dá lucro, gera notícia e alimenta os valores punitivos da nossa sociedade. ‘A corda sempre estoura no lado mais fraco’, e o lado mais fraco são as crianças e os animaizinhos de estimação condicionados e influenciados pelos adultos que, com isso, sentem poder. Crianças e animaizinhos tem semelhanças nisso. Frutos de uma cultura patriarcal e violenta, as vítimas crescem e passam a pertencer ao mundo adulto já moralizado, burocratizado, dentro de princípios e valores repressores. Isso se comprova na violência do lar, de pai pra mãe e dos pais pros filhos. A reprodução do que é ‘certo’ ou ‘errado’ é ditada por ‘produtores, publicitários e diretores’ do ‘espetáculo sócio-cultural’. E estes são alguns políticos, igrejas ou religiões, empresários midiáticos, líderes ou dirigentes. E a família, consciente ou inconscientemente reproduz isso, transmitindo esses ‘valores e morais’ para as crianças que serão os futuros repressores e/ou reprimidos. Poucos se safam desse dualismo. Muitos podem discordar, mas nossas referências não são das melhores: Pelo que você luta? O que você come? O que você lê, ouve e assiste? No que você crê? O que você segue? Quais são seus ícones? Incrível como as pessoas se escoram em algo para poder viver e até pensar. Sentimento de segurança, mesmo que ela nem exista. A natureza é caótica. O mundo é caótico (não naquele sentido vulgarizado, relacionado ao trágico). Caótico no seu andamento e diversidade (leia-se Teoria do Caos). E quando um fruto dessa cultura ‘supostamente segura’ segue algo ou busca seu poder para se sentir seguro ou ser alguém visível nisso tudo, e no fim só encontra um vazio, este espaço em branco pode ser preenchido da pior maneira. Movido por um anseio de poder, o indivíduo reproduz suas referências sócio-culturais em forma de violência.
 
 
Violência social IV

Não estaria mais do que na hora de revermos nossos conceitos? Nossas morais e valores? Nossa cultura? Me parece que a preocupação exteriorizada por ‘entendidos’ e dirigentes sociais nos meios de comunicação, é a manutenção dessa nossa sociedade e cultura, sua continuação. Pois isso se tenta explicar, esclarecer, justificar, elucidar, racionalizar um fato como foi o da chacina das crianças na escola do Rio. Seja essa ‘explicação’ por um viés ‘científico’ ou religioso. Mas não, isso nunca será o suficiente para amenizar situações como estas. Acredito que dá sim pra transformar essa realidade, senão nem estaria gastando palavras aqui desta forma. Ao invés de ‘prosseguir’ com tudo, não deveríamos parar? Parar por alguns instantes e mudar? Rever conceitos, valores, práticas, modos de se tratar e lidar com as pendengas da humanidade. A razão ocidental platônica, aristotélica, cartesiana e de cunho judaico-cristã, além do viés religioso, já perderam seus sentidos de ser (ou nunca tiveram um). Talvez aí esteja a grande questão. Na escola, onde deveria acontecer a produção do conhecimento, como um lugar ‘apropriado’ pra isso, se transformando num cenário de violência e intolerância. A covardia humana, somada a uma vontade de poder, o distúrbio, o surto dado pela repressão e medo históricos inculcados por valores e morais ainda super-presentes na nossa cultura, cria abismos em mentes mais frágeis que, delirantes, assumem pra si ‘deveres’ de ‘ajustes sociais’. O ‘ambiente’ em que isso se apresenta deveria ser outro. Por isso não dá pra continuar na ‘reprodução’. É preciso que se criem alternativas, novas possibilidades, uma razão mais ‘poética’ e humanizada, menos parasitária, divinizada e utilitarista para o mundo. As nossas crenças e nossas práticas reforçam uma cultura há tempos equivocada. Uma escola seria o ‘último’ lugar onde um fato como aquele poderia ter acontecido. Mas não adianta agora encontrar explicações, mas sim tratar de perceber o quão frágil é a nossa casa, a nossa razão. Quão doentia pode estar a nossa cultura, pois a mente humana também é fruto histórico dessa cultura. O atirador deixou escrito com clareza o seu objetivo de promover um ‘espetáculo’ midiático. E nem tudo nisso é fruto de uma mente doentia, mas sim de uma razão cultural que se promove e se reproduz. Precisamos reconhecer e admitir isso, e a partir disso, poder criar algo novo. Talvez um mundo mais possível...
 
 

3 comentários:

Marco Bissoli disse...

Sensacional seus textos, cara, tenho certeza que tem um pouco de cada um nós naquele maluco de Realengo - a psicologia explica isso.Somos todos culpados dessa máquina enferrujada de valores, onde reina a mais valia, o poder e a violência.

Anônimo disse...

Velho, leia esse fragmento...

"Sendo ele (o ser humano)constantemente reduzido, limitado, humilhado, diminuído, constrangido pelas relações de poder, pelas hierarquias e autoridades instituídas (pai, professor,patrão, polícia, juiz, coronel, deputado, etc.) e pelas técnicas, sejam urbanísticas, arquitetônicas ou quaisquer outras que expressem os valores de uma sociedade coisificante, é o motor a combustão e o acelerador - quando não o cano e o gatilho de do revólver - que, sob um impulso neurótico, são postos em funcionamento para uma auto-afirmação na tentativa de se sentir o que de fato não se é na sociedade burguesa e hierárquica: um ser humano e não uma coisa. Para se ir do anão ao super homem, o que está disponível é o motor a combustão e o acelerador, não a revolução social, que põe fim aso constrangimentos, autoridades e hierarquias coisificantes".

Ned lud: "Apocalipse motorizado"

Poisé, uns atiram em crianças, outros atropelam ciclistas e por aí vai...

Herman G. Silvani disse...

o que eu escrevi em outras palavras.. é isso!! a 'coisificação' do homem..