domingo, 26 de agosto de 2012

Entrevista sobre a condição cultural de Chapecó pré-eleição


*  Fui procurado pela jornalista Flávia Werlang  para uma entrevista ao DI (jornal Diário do Iguaçu), para falar como, além de morador de Chapecó, pesquisador na área musical e artística, agente cultural e professor de filosofia, sociologia e história. A entrevista saiu resumida no caderno especial “Chapecó 95 anos” do DI, e eu a publico aqui na integra:
 
 
F.W.: Como você vê a situação da cultura na nossa cidade hoje?
 
H.G.S.: Depende em que aspecto. Vou me conter ao aspecto da produção e incentivo público, já que falamos da cidade. Chapecó tem uma razoável, senão boa, produção cultural. Grupos de teatro, musicais, bandas de rock, escritores, produtores áudio-visuais, grupos de artes marciais, capoeira, etc. Porém, não há um debate interessante entre essas ‘formas’ de produção, nem tampouco internamente, entre os próprios afins. Um ego inflamado, ou a falta de concepções profundas e interessantes de muitos dos próprios produtores culturais e artísticos, impede qualquer ‘avanço’ das artes, para uma situação mais significativa. E em relação ao poder público, não há investimentos significativos nas áreas, nem tampouco, incentivos. Existe um uso político-ideológico das produções e/ou produtores. Um uso que, diga-se de passagem, muitos aceitam acomodados, ou por não perceberem ou pela própria mediocridade que infesta o pensamento e algumas práticas. O poder público, de sua parte, pouco movimenta-se para mudar essa situação. Talvez seja cômodo ou confortável que assim seja, não?
 
 
F.W.: Você acha que o Plano de Cultura da nossa cidade é democrático?
 
H.G.S.: Plano de cultura? Existe isso aqui? Não vejo ‘democracia’ nas escolhas nem decisões. Apenas interesses e/ou um tipo de ‘pão e circo’ ofertado ao público, no sentido de que, se contemple tudo e nada, ou seja, faltam critérios, a partir de discussões, debates, construções e até desconstruções de algumas ‘verdades’, conceitos, modos de se conceber a arte e a cultura e de praticá-las. Pouca consciência, eu diria, por parte de alguns produtores, parte do público e, inclusive, do poder público. Ou interesse mesmo, de ambos. As decisões deveriam partir de discussões com os ‘agentes culturais’ e artistas. Do embate é que saem possibilidades. Mas me parece que muitos optam pela comodidade, como se tudo fosse determinado ao ainda ato de seu surgimento, infelizmente. Porém, o poder público deveria ter mais iniciativas neste sentido, de provocar e promover o debate e o aprimoramento das concepções e das produções artísticas e culturais na cidade.
 
 
F.W.: Voc ê acha que todas as pessoas têm acesso à cultura na nossa
sociedade?
 
H.G.S.: Depende da cultura. Da televisiva, midiática, espetacular (leia-se Deboard e “A sociedade do Espetáculo”), dada pela indústria da cultura, sim. Mas da cultura saída dos produtores, da produção artística local, muito pouco. Não há incentivo pra isso, nem apoio, nem investimento suficiente para que as produções cheguem até a grande parcela da população, nem vindos do poder público, nem do setor privado.
 
 
F.W.: Perguntei à Roselaine Vinhas como é o trabalho nas comunidades e ela me disse que "Hoje já se faz um trabalho nos bairros com cerca de 15 pontos e que este acesso tem que ser ampliado e ser edificado todo um trabalho, não só construção de espaços equipados, mas também de levar mais linguagens aos bairros. E o trabalho de consciência, de preservação de patrimônio também tem que chegar aos bairros". Como você vê esta analise?
 
H.G.S.: Olha, se existe um trabalho consistente, ou eu sou um pouco míope devido a idade não tão avançada que tenho, ou alguém não está conseguindo ser muito sincero aqui. Conheço um pouco (ou muito) da realidade cultural e artística de Chapecó, por produzir algo em arte ou em algumas linguagens e manifestações artísticas, ser ‘agente cultural’ desde muito jovem, pesquisador e/ou estudante no assunto. Portanto, penso que o discurso supera em muito as ações e programas culturais em torno do centro da cidade. A própria Vinhas disse que o “trabalho tem que chegar aos bairros”... então “tem”, ainda não chegou... não preciso discorrer muito.
 
 
F.W.: Roselaine acredita que a cultura tem a ver com a "formação de platéia", ou seja "que a nossa agenda tem que estar constantemente educando, preparando, formando esta platéia. Formar platéia é dar o acesso e ensinar como se usufrui de toda fluição artística e cultural". Você também acredita nisso?
 
H.G.S.: Sim. Quer dizer, mais ou menos. É coerente essa colocação da Vinhas, e ela sabe, assim como tantos outros, disso. Devo concordar. Porém, essa “formação de platéia” precisa ter incentivo e investimento público. Falamos aqui de uma política pública para a cultura, que abranja produtores e admiradores dessas “artes” e amplie as possibilidades. Então, por parte do poder público, como seria esse “dar o acesso”? Minha primeira resposta relaciona-se com essa questão...
 
F.W.: O que você acha que falta ser explorado no nosso município? 
 
H.G.S.: Sinceramente?! Muita coisa. Principalmente o incentivo, apoio e espaços para a participação popular. Ou seja, estamos falando de poder público, e um poder público ‘descente’ ou coerente com o seu motivo de ser, é aquele que abre, propicia possibilidades de discussão e produção locais, valorizando o ser humano enquanto agente da história e da própria cultura, além da economia da cidade. Explorar o potencial artístico cultural também é uma falta por aqui. Cabe ao poder público proporcionar estudos, aprofundamentos e debates sobre e em torno do tema ‘cultura’ e das produções locais.
 
 
F.W.: Quais as nossas demandas reprimidas e fragilidades e por que?
 
H.G.S.: Vejo um parcial abandono dos bairros, da periferia da cidade. O aumento da criminalidade em Chapecó envolvendo menores de idade tem tudo haver com as condições culturais e econômicas da cidade. Uma cidade que cresce em altos prédios, carros importados, comércio lucrativo e forte, ‘mão de obra barata’ (explorada) e em muitos casos especializada, não tem um crescimento cultural a altura. Isso só pode dar num lugar: um futuro frio e mecânico, onde tudo funciona como uma fábrica. É preciso mudar esse rumo, caso contrário...
 
 
F.W.:  Quais as nossas potencialidades e os Projetos Inovadores que a cidade pode desenvolver na área da cultura?
 
H.G.S.: Vejo que existem possibilidades em várias áreas. Desde artesanato, artes cênicas, música, literatura, artes marciais, produção áudio-visual, etc. Um Plano Municipal de Cultura que funcione coerentemente, com calendário anual (semanal e/ou mensal), com a participação dos produtores, agentes, artistas, um projeto abrangente e ‘democrático’ com fundos, bem conceituado, e com a participação dos agentes nas decisões, uma lei de incentivo a produção cultural local, um diálogo com investidores na área (empresários e afins), além de certo conhecimento e consciência dos agentes culturais... Tudo isso é fundamental para a ‘saúde cultural’ de qualquer cidade.
 
 
Obs.: No jornal, eu saí caracterizado como filósofo e músico, pois alguns assim me consideram – portanto, não tenho ‘culpa’ - e antes que alguém resolva fazer tempestade em copo d’água por isso, já informo.
 
 
 

Um comentário:

Anônimo disse...

Respotas afiadas Sr. filósofo!