* Fui procurado pela jornalista Flávia Werlang para uma entrevista ao DI (jornal Diário do
Iguaçu), para falar como, além de morador de Chapecó, pesquisador na área
musical e artística, agente cultural e professor de filosofia, sociologia e
história. A entrevista saiu resumida no caderno especial “Chapecó 95 anos” do
DI, e eu a publico aqui na integra:
F.W.: Como você vê a situação da cultura na nossa
cidade hoje?
H.G.S.: Depende
em que aspecto. Vou me conter ao aspecto da produção e incentivo público, já
que falamos da cidade. Chapecó tem uma razoável, senão boa, produção cultural.
Grupos de teatro, musicais, bandas de rock, escritores, produtores
áudio-visuais, grupos de artes marciais, capoeira, etc. Porém, não há um debate
interessante entre essas ‘formas’ de produção, nem tampouco internamente, entre
os próprios afins. Um ego inflamado, ou a falta de concepções profundas e
interessantes de muitos dos próprios produtores culturais e artísticos, impede
qualquer ‘avanço’ das artes, para uma situação mais significativa. E em relação
ao poder público, não há investimentos significativos nas áreas, nem tampouco,
incentivos. Existe um uso político-ideológico das produções e/ou produtores. Um
uso que, diga-se de passagem, muitos aceitam acomodados, ou por não perceberem
ou pela própria mediocridade que infesta o pensamento e algumas práticas. O
poder público, de sua parte, pouco movimenta-se para mudar essa situação. Talvez
seja cômodo ou confortável que assim seja, não?
F.W.: Você acha que o Plano de Cultura da nossa
cidade é democrático?
H.G.S.: Plano de
cultura? Existe isso aqui? Não vejo ‘democracia’ nas escolhas nem decisões.
Apenas interesses e/ou um tipo de ‘pão e circo’ ofertado ao público, no sentido
de que, se contemple tudo e nada, ou seja, faltam critérios, a partir de
discussões, debates, construções e até desconstruções de algumas ‘verdades’,
conceitos, modos de se conceber a arte e a cultura e de praticá-las. Pouca
consciência, eu diria, por parte de alguns produtores, parte do público e,
inclusive, do poder público. Ou interesse mesmo, de ambos. As decisões deveriam
partir de discussões com os ‘agentes culturais’ e artistas. Do embate é que
saem possibilidades. Mas me parece que muitos optam pela comodidade, como se
tudo fosse determinado ao ainda ato de seu surgimento, infelizmente. Porém, o
poder público deveria ter mais iniciativas neste sentido, de provocar e promover
o debate e o aprimoramento das concepções e das produções artísticas e
culturais na cidade.
F.W.: Voc ê acha que todas as pessoas têm acesso à
cultura na nossa
sociedade?
H.G.S.: Depende
da cultura. Da televisiva, midiática, espetacular (leia-se Deboard e “A
sociedade do Espetáculo”), dada pela indústria da cultura, sim. Mas da cultura
saída dos produtores, da produção artística local, muito pouco. Não há
incentivo pra isso, nem apoio, nem investimento suficiente para que as
produções cheguem até a grande parcela da população, nem vindos do poder
público, nem do setor privado.
F.W.: Perguntei à Roselaine Vinhas como é o
trabalho nas comunidades e ela me disse que "Hoje já se faz um trabalho
nos bairros com cerca de 15 pontos e que este acesso tem que ser ampliado e ser
edificado todo um trabalho, não só construção de espaços equipados, mas também
de levar mais linguagens aos bairros. E o trabalho de consciência, de
preservação de patrimônio também tem que chegar aos bairros". Como você vê
esta analise?
H.G.S.: Olha, se existe um
trabalho consistente, ou eu sou um pouco míope devido a idade não tão avançada
que tenho, ou alguém não está conseguindo ser muito sincero aqui. Conheço um
pouco (ou muito) da realidade cultural e artística de Chapecó, por produzir
algo em arte ou em algumas linguagens e manifestações artísticas, ser ‘agente
cultural’ desde muito jovem, pesquisador e/ou estudante no assunto. Portanto,
penso que o discurso supera em muito as ações e programas culturais em torno do
centro da cidade. A própria Vinhas disse que o “trabalho tem que chegar aos
bairros”... então “tem”, ainda não chegou... não preciso discorrer muito.
F.W.: Roselaine acredita que a cultura tem a ver
com a "formação de platéia", ou seja "que a nossa agenda tem que
estar constantemente educando, preparando, formando esta platéia. Formar
platéia é dar o acesso e ensinar como se usufrui de toda fluição artística e
cultural". Você também acredita nisso?
H.G.S.: Sim. Quer dizer,
mais ou menos. É coerente essa colocação da Vinhas, e ela sabe, assim como
tantos outros, disso. Devo concordar. Porém, essa “formação de platéia” precisa
ter incentivo e investimento público. Falamos aqui de uma política pública para
a cultura, que abranja produtores e admiradores dessas “artes” e amplie as
possibilidades. Então, por parte do poder público, como seria esse “dar o
acesso”? Minha primeira resposta relaciona-se com essa questão...
F.W.: O que você acha que falta ser explorado no
nosso município?
H.G.S.: Sinceramente?!
Muita coisa. Principalmente o incentivo, apoio e espaços para a participação
popular. Ou seja, estamos falando de poder público, e um poder público
‘descente’ ou coerente com o seu motivo de ser, é aquele que abre, propicia
possibilidades de discussão e produção locais, valorizando o ser humano
enquanto agente da história e da própria cultura, além da economia da cidade.
Explorar o potencial artístico cultural também é uma falta por aqui. Cabe ao
poder público proporcionar estudos, aprofundamentos e debates sobre e em torno
do tema ‘cultura’ e das produções locais.
F.W.: Quais as nossas demandas reprimidas e
fragilidades e por que?
H.G.S.: Vejo
um parcial abandono dos bairros, da periferia da cidade. O aumento da
criminalidade em Chapecó envolvendo menores de idade tem tudo haver com as
condições culturais e econômicas da cidade. Uma cidade que cresce em altos
prédios, carros importados, comércio lucrativo e forte, ‘mão de obra barata’
(explorada) e em muitos casos especializada, não tem um crescimento cultural a
altura. Isso só pode dar num lugar: um futuro frio e mecânico, onde tudo funciona
como uma fábrica. É preciso mudar esse rumo, caso contrário...
F.W.: Quais as nossas potencialidades e os Projetos Inovadores que a cidade pode desenvolver na área da
cultura?
H.G.S.: Vejo que existem possibilidades
em várias áreas. Desde artesanato, artes cênicas, música, literatura, artes
marciais, produção áudio-visual, etc. Um Plano Municipal de Cultura que
funcione coerentemente, com calendário anual (semanal e/ou mensal), com a participação
dos produtores, agentes, artistas, um projeto abrangente e ‘democrático’ com
fundos, bem conceituado, e com a participação dos agentes nas decisões, uma lei
de incentivo a produção cultural local, um diálogo com investidores na área
(empresários e afins), além de certo conhecimento e consciência dos agentes
culturais... Tudo isso é fundamental para a ‘saúde cultural’ de qualquer
cidade.
Obs.: No jornal, eu saí caracterizado
como filósofo e músico, pois alguns assim me consideram – portanto, não tenho ‘culpa’
- e antes que alguém resolva fazer tempestade em copo d’água por isso, já
informo.
Um comentário:
Respotas afiadas Sr. filósofo!
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