Escrever
nunca é o suficiente. É preciso mover-se. Além do pensamento, dos braços e
mãos, mover-se de corpo inteiro. Projetar-se no espaço e no tempo. Para que aja
vida, é preciso estar em movimento. Nisso, os membros do corpo funcionam como
instrumentos. O punho é um dos que mais utilizo. Não, não falo em masturbação.
Nem, nesse momento, do ‘punho do sol’ do kung-fu. Mas do punho que sustenta uma
caneta ou que se move acima de algum teclado. Escrevo como quem toca piano,
compondo sempre uma nova música ou arriscando-me em melodias improváveis - mas
não impossíveis. Letras, palavras, frases, parágrafos: o texto! Um texto que
sai como um golpe da arte marcial milenar que pratico. Às vezes certeiro, às
vezes sem alvo ou foco algum. Mas sempre um golpe. A palavra é navalha que
corta e fere. Mas, às vezes também acaricia, como a mão de uma mãe no afago do
filho que chora. A linguagem pede violência. A linguagem pede afago. A
linguagem acontece por que a comunicação acontece, de uma forma ou de outra. Ao
mesmo tempo em que ela aprisiona, também liberta. Falo da linguagem além da
escrita. O corpo também se comunica. Também é instrumento de tal e qual
linguagem. A linguagem tem voz própria naquilo que é. Ou seja, fala conforme o
abrigo da sua voz no querer ser: oralmente, esteticamente, fisicamente,
mentalmente, silenciosamente, gritantemente... Escrever nunca é o suficiente. É
preciso mover-se. Mover-se para além da linguagem escrita. Assim como toda
teoria pede uma prática, toda prática busca a sua teoria, ou pelo menos alguma
que a fundamente. Discursos em forma de pretextos que justificam ignorâncias e
uma linguagem que agoniza por estar presa dentro de um raso frasco de
conhecimento. É esse senhores, o mundo das palavras sem trato. O mundo das
linguagens que aprisionam e são aprisionadas. O mundo sem punho, sem golpe, sem
afago - sem pulso, sem vida. A mera existência do frasco raso e vazio. E a
mente é um frasco. Cheio ou vazio, um frasco. É preciso ler. Ler para além das
linhas de qualquer texto. Ler o mundo. Ler a partir de certas referências,
certos conhecimentos, certas linguagens. Ler com pulso e golpe. Ler com
violência e calmaria. Ler com olhos, bocas e dentes. Ler com o corpo inteiro.
Pois a palavra é navalha que corta e fere. Mas, às vezes também acaricia, como
a mão do amante que suavemente toca o rosto do seu amor proibido. É preciso ir
além do permitido com as palavras, para que essas, além do punho do lutador,
tenham o pulso cardíaco de um corpo vivo que reage em meio a tanta prisão...
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