Farrapos (com citações de Mario Barbará)
Os Farrapos estão vivos. Eles perambulam pela rua, todos os dias,
bebericando cachaça barata. Ao lado, seus cuscos repletos de pulgas, fiéis companheiros, andam.
São desgarrados que não se encontram dentro de boutiques
nem em galerias de arte cheias de pompas. Nem em concertos, nem em teatros
abarrotados de carne e vazios de sentido. Os Farrapos juntam baganas do chão e
para esquecerem contam bravatas, velhas histórias. São tragos, muitos estragos
por toda a noite. Os Farrapos são as vítimas do mundo, de si próprios e de uma
guerra da qual não fizeram parte. Nem gaúchos nem catarinas. Nem indígenas,
afro ou euro descendentes. Não há pátria nem nação. Não há nada além do chão,
da calçada fria e dos dentes que rangem. Não há nada além do tremor da
embriaguez lânguida. Nada disso é importante para quem é um farrapo humano. São
Farrapos e não fizeram revolução alguma. Desistiram de lutar faz tempo. Seus
antepassados perderam a luta e deixaram de herança uma derrota secular, milenar
e diária. Uma derrota para a vida toda, sacramentada por um deus branco que ri
do alto de sua cobertura no ponto mais alto da cidade. Os Farrapos foram
traídos, abandonados. Lanceiros lançados a toda a sorte. Não sentem mais a dura
fragilidade dos anos, nem tampouco a dura fragilidade dos ossos. Já são quase
invertebrados. Já são quase esquecimento. Em suas invisibilidades, são farrapos
ambulantes. Quando andam pelas ruas em dias claros, só são vistos devido aos
seus trajes esfarrapados. São apenas Farrapos, mas já foram muito mais do que
isso. Já acreditaram em alguma coisa um dia. Já usaram bombacha e nos pescoços
lenços vermelhos. Ainda cantam, só que poucos tem ouvidos para ouvi-los. Cheiro
forte, carne forte, esperança nenhuma. Ajudaram a escrever a história do mundo
e não foram canonizados por isso, nem tampouco, construíram monumentos,
esculturas ou bustos em suas homenagens. Tiveram importância um dia. E esse
tempo já passou. Mas são Farrapos e estão vivos. Por enquanto.
* Obs.:
esse texto já fora publicado noutra feita.
Farroupilha, movimento
libertador? Não, a geladeira!
Segundo alguns 'historiadores sociais', a maior invenção da modernidade foi a geladeira, principalmente para regiões como o sul do país. Foi graças a ela que os estancieiros 'farroupilhas' do charque no RS 'libertaram' os escravos. Não fosse isso, possivelmente até hoje teríamos escravos trabalhando nas fazendas de charque - que o diga Juremir Machado da Silva.
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...
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