Sexta-feira e acordo antes do horário. Que droga! Preciso
trabalhar e ainda não está na hora. ‘Produzir é necessário!’ É sempre o que
ouço todo maldito dia da boca grande do chefe. Um saco! Um dia desses eu juro
que dou uma porrada no ‘boca grande!’ Tenho praticamente duas horas antes de
bater o cartão. Até lá não posso mais dormir. Se dormir, não acordo mais. Parte
da noite passada passei bebendo e jogando conversa fora com Patrícia. Ela é um
pouco complicada, mas sua companhia acaba sendo sempre agradável. Depois que
ela foi embora, toda torta e com a cabeça cheia de rum e cerveja, a solidão
bateu a minha porta. Não se importando nenhum pouco com o que eu achava, se sua
presença era boa ou não, a solidão veio com tudo. Um pouco bêbado, mas ainda
não de cara cheia como Patrícia quando foi embora, passei a mão na máquina de
escrever e numas folhas brancas que sempre tenho dentro de uma caixa no chão no
canto do quarto. Sentei na minha escrivaninha velha, herança do meu avô
paterno, e seguindo os conselhos do meu chefe bocudo, comecei a escrever, pois:
‘Produzir é necessário!’. Quis um poema, mas saiu um conto. Não teve jeito.
Acho que a poesia me abandonou – se é que um dia a tive. As palavras do chefe
batem forte na minha cabeça enquanto um conto desumano e violento contra o
emprego e o chefe e a favor da mulher e da filha do chefe, da sua irmã e sua
mãe, nasce. Senti prazer em torná-las parte da minha festa de cabaré, enquanto
ele e o emprego ficavam trancafiados num porão escuro, sem água nem luz,
repetindo: ‘Produzir é o caralho!’. Pensando nisso me sinto melhor. E agora
falta pouco menos de uma hora para bater o cartão e ouvir do ‘boca grande’
aquilo que vocês já sabem...
* também publicado no jornal Folha do Bairro, em 'dois patinhos' do onze...
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