Violência social I
Estou triste. A morte daquelas crianças-adolescentes na escola do Rio me doeu. O atirador, um rapaz transtornado na casa dos seus vinte anos. Não venham me dizer que alguém faz isso por que é mau, ou porque está refém do capeta. Isso é asneira! Não existe bem nem mal. Isso é invenção religiosa como é a mentira do livre arbítrio. Existe algo ‘maior’ por trás de atos/fatos como este. Nos meios de comunicação, como sempre, tentam encontrar ‘o motivo’, ‘a culpa’. A atitude explosiva do atirador tem ‘motivos’: sociedade militarizada por um pseudo-heroísmo espetacular vinculado pelos próprios meios de comunicação de massa. Alguém que ‘nunca foi nada’, e que tragicamente, agora é. Entrou pra história e não é mais um ser invisível. Sucesso, fama, status! - nossa cultura não promove isso? Palavras do Governador do Rio: “Psicopata! Animal!”. Tão simples assim governador? Quanta estupidez se fala quando não se tem nada pra dizer! Na suposta carta deixada pelo atirador existe um forte teor de ‘fanatismo religioso’ que via ‘impureza nas crianças’ (alguns crêem que a religião pacifica). Uma ‘especialista’ no assunto cogitou o bulling. Mas o que é o bulling senão a ‘reprodução de valores sócio-culturais do mundo adulto’? Uma sociedade individualista que promove a disputa de mercado, a tal ‘livre concorrência’ liberal-burguesa, modelos forjados e idealizados de beleza física, etc. É só parar um pouco na frente da própria televisão e refletir sobre sua programação. É só ouvir rádios com um pouco mais de audição crítica e perceber a inundação de músicas medíocres que promovem esses valores. É só atentar para o discurso de pastores e/ou padres nos canais onde religiões ‘compram’ seus espaços. Tudo muito discursivo e com fins comerciais. ‘Pessoas-produtos’. Cultura moralista, hipócrita, e medíocre! Cultura da violência do cinema e jornalismo sensacionalistas, e das intrigas pessoais das telenovelas. ‘Violência-produto’. E quem sofre com o ‘espetáculo’ deste circo de horrores? As crianças (vítimas dessa sociedade doente). Ainda tentam achar ‘um’ culpado, ‘um’ motivo. Sim, temos culpados. Temos motivos – no plural. Não adianta agora tentar jogar ‘tudo’ no surto de um cadáver. O sujeito também morreu. Foi um produto dessa cultura que fez suas vítimas. Por tudo isso, às vezes, sinto vergonha de ser adulto.
Violência social II
Por mais que eu não me cale, que escreva, critique, sugira, que com minha música e meus poemas, toque o coração, a alma e a consciência de algumas pessoas, que nas minhas aulas eu busque discutir, questionar, ampliar o conhecimento, a consciência individual e coletiva, o acesso aos ‘bens culturais’, tudo em busca de um ‘bom senso’, por mais que eu faça ‘minha parte’ e que ela seja humanizadora, ainda assim, acho muito pouco. ‘Minha parte’ é muito pouco. Sinto um aperto no coração por isso, pois pertenço a este mundo adulto. Por mais que questione e desconstrua idéias, ideais e morais inflexíveis e hipócritas, em prol de um diálogo sócio-cultural e humano-existêncial (mas não ‘cristianizado’), sei que as instituições e seus valores mecânicos são mais fortes do que a minha palavra. Aliás, sou apenas um professor. Sou apenas um compositor-poeta, um ‘artista’ que deixa parte do seu suor com os outros. Um pouco ‘louco’ um pouco lúcido. Mais do que nunca, tenho os pés no chão, mas às vezes me lanço em vôos mirabolantes. Crianças feridas e mortas, o ápice da violência social. Eu na minha loucura-lúcida, tenho uma palavra pra tudo isso: Poder! O poder na nossa sociedade é algo alimentado como uma conduta ‘existencial e necessária’. Quem não tem poder não tem voz, essa é a máxima. E poder significa status, visualização, evidência, aparecimento. Quem é ‘invisível’ não tem poder. Alguns o adquirem sem querer, pela sua função, outros por uma busca desenfreada. O sentimento de poder é alimentado por quase todos os lados da sociedade. Nisso, atirar com uma arma de fogo também dá uma ‘sensação’ de poder. Adrenalina dá poder, seja ela num jogo de vídeo game ou mesmo numa partida de futebol. Ganhar o jogo, ser destaque, chegar lá. O descarrego das frustrações cotidianas e sociais. O preenchimento de um ‘vazio existencial’. Nossa cultura quase não permite a falta de poder. Por mais que ‘especialistas’ tentem ‘explicar’ ou encontrar fundamento num ato de violência, justificando-o como ‘doença mental’, isso ainda é pouco. Além disso, somos cria do meio em que vivemos e temos parte nisso. No entanto, o que oferecemos pras nossas crianças como ‘alternativas’ de vida, de felicidade, além do dito ‘mercado de trabalho’, da disputa e alcance de poder? Além da salvação da alma? Nós, adultos e responsáveis por quase tudo?
Violência social III
Violência social IV
3 comentários:
Sensacional seus textos, cara, tenho certeza que tem um pouco de cada um nós naquele maluco de Realengo - a psicologia explica isso.Somos todos culpados dessa máquina enferrujada de valores, onde reina a mais valia, o poder e a violência.
Velho, leia esse fragmento...
"Sendo ele (o ser humano)constantemente reduzido, limitado, humilhado, diminuído, constrangido pelas relações de poder, pelas hierarquias e autoridades instituídas (pai, professor,patrão, polícia, juiz, coronel, deputado, etc.) e pelas técnicas, sejam urbanísticas, arquitetônicas ou quaisquer outras que expressem os valores de uma sociedade coisificante, é o motor a combustão e o acelerador - quando não o cano e o gatilho de do revólver - que, sob um impulso neurótico, são postos em funcionamento para uma auto-afirmação na tentativa de se sentir o que de fato não se é na sociedade burguesa e hierárquica: um ser humano e não uma coisa. Para se ir do anão ao super homem, o que está disponível é o motor a combustão e o acelerador, não a revolução social, que põe fim aso constrangimentos, autoridades e hierarquias coisificantes".
Ned lud: "Apocalipse motorizado"
Poisé, uns atiram em crianças, outros atropelam ciclistas e por aí vai...
o que eu escrevi em outras palavras.. é isso!! a 'coisificação' do homem..
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