sexta-feira, 15 de junho de 2012

O buraco



Daqui do buraco de onde eu escrevo o mundo parece menor ainda. Saí do interior e vim para a capital, um lugar grande. Grande como meu pensamento. A cidade de onde eu vim era pequena demais pra mim e pro meu pensamento. Pelo menos era essa a minha impressão. Meus poucos amigos e minha namorada também achavam isso. Depois de uma semana morando aqui descobri que a minha namorada havia ficado com um dos meus poucos e melhores amigos. Ao invés da ira, incrivelmente fiquei alegre. Finalmente algo diferente havia acontecido na minha vida. Chorei um pouco, e aos risos acabei enchendo a cara no boteco da esquina. Divido meu buraco com um rato que volta e meia cruza por debaixo da minha cama e uma dezena de baratas que, enquanto eu tento dormir, fazem a festa na cozinha. São bons companheiros. Não preciso entrar em conflito com eles, nem tampouco tentar convencê-los de que eu seja um grande pensador, um filósofo nato. Adquiri meu diploma numa faculdade paga com meia dúzia de leituras. Ta certo que não entendi tudo do pouco que li, mas acabei com o diploma na mão assim mesmo - minha autorização.  Bastou um artigo que nem os professores da banca entenderam direito, e eu estava apto a reproduzir. Acho que enganei bem. A linguagem filosófica às vezes convence. Agora dou aulas numa escola pública que parece mais um presídio. Os alunos não querem saber de filosofia, muito menos da minha. Então eu os encho de tarefas burocráticas e baboseiras de Platão e Aristóteles e assim passo os dias. Todo final de mês cai um troco razoável na minha conta. O banco fica com uma parcela, o aluguel com a outra e o mercadinho da Zuleide com o resto. Fico sempre devendo pra Zuleide, assim acaba me sobrando um troco pro cigarro e pro cine sex. Vim pra essa metrópole na intenção de me encontrar e expandir minhas fronteiras. Um lugar onde meu pensamento ecoasse. Mas não me encontrei, minhas fronteiras continuam ínfimas e meu pensamento não vai além da esquina. Achei que a cidade grande me faria crescer, mas me sinto cada vez menor aqui. ‘As oportunidades!’, diziam meus amigos, aqueles putos! Escrevo dessa clausura esperando que algo mude. Saio pra fora e vejo um monte de gente se embatendo na rua. E eu aqui, um filósofo sem filosofia alguma. Tirei o espelho do banheiro para não ter que me dar bom dia todo dia antes de ir ao trabalho. Meu mundo é um gueto e acredito que seja por isso que minhas idéias não caibam nele. Segundo o que entendo de Platão, elas estão além da realidade, o que me conforta. Um inimigo meu diz que sou um puto idealista. Mas eu não me vejo assim. Aliás, não me vejo de forma alguma. Estou num buraco e o mundo é pequeno. Saio pra fora e o mundo é menor ainda. Deixando o interior rumo à metrópole eu encontraria um mundo que abraçasse meu pensamento - ou onde alguém pelo menos o levaria a sério. Mas do buraco de onde eu escrevo o mundo parece menor ainda...



Um comentário:

Kamile Costa disse...

Bom conto pistoleiro! Sem frescura.