sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sobre fragmentação & práticas...

 

 

Este é o título de uma série de livros que eu conheci com as crianças. Algumas das minhas alunas (as de 10 a 12 anos de idade), na verdade. Um livro de literatura e ilustração infanto-juvenil (mas que também serve para adultos – muito mais literário e criativo do que muito romance por aí), do escritor e ilustrador estadunidense Jim Benton (mas poderia ser Tim Burton). Nessa série, a personagem central é Jamie Kelly, uma menina que mora com sua mãe, uma péssima cozinheira, seu pai e seu cachorro Fedido. A trama contém vários outros personagens. Nela se abordam temas ‘corriqueiros’ do dia a dia, como numa novela, onde, muitas vezes a mesquinharia ou a mediocridade, as intrigas pessoais, são o mote das ‘estórias’, mas de uma forma criativa, bem humorada, recheadas de ironia e/ou sarcasmo, diferente muitas vezes da ‘vida real’. A diferença toda quem faz, neste caso, é a abordagem e a forma e uso da linguagem. O autor cria suas ‘estórias’ inteligentemente, onde, no fim, existe certa crítica ao cotidiano familiar, escolar e social. Questão cultural e de posicionamento. Da mesma forma que esses livros parecem uma reprodução de valores individuais de uma sociedade industrial, utilitarista, reducionista, determinista, onde seus agentes, quando não pregam, pensam de forma fragmentada e praticam a ‘politicagem’ (seja ela ideológica ou filosófica), eles também, através da sátira, questionam e/ou criticam essa mesma ‘norma’ social, ou seja, este andamento cultural cotidiano que prevalece na sociedade contemporânea. Valores daquilo que alguns marxistas e afins, convencionaram chamar de ‘individualismo pequeno burguês’, coisa típica da dita ‘classe média’, que se vê refletida no modelo de vida ‘burguês’, rico ou da ‘classe alta’, como preferirem, passando a reproduzi-los e legitimá-los, em concepções e práticas. Mas as crianças, um pouco ‘selvagens’ ainda (leia-se as ‘Crianças Selvagens’ de Hakim Bey), ainda não ‘viciadas’ nessa ‘reprodução’, não obedientes totalmente a essa prática cultural, conseguem resistir frente a isso - enquanto o mundo adulto - e seus adultos, com suas pretensões intelectuais e/ou de ordem moral, caem direitinho na armadilha e tornam-se, muitas vezes, criaturas mesquinhas, alimentando a mediocridade que envolve a sociedade. Referente a este assunto, não precisamos ir muito longe. Hoje, a ‘globalização’ também se faz na comunicação, ou na troca (ou imposição) de informações, sob tudo pela internet, principalmente pelas redes sociais (leia-se facebook), e as distâncias se encurtam. O uso dessa ‘ferramenta’ (internet/rede social), pode gerar possibilidades, ampliar o pensamento e conhecimento sobe as coisas, sobre o mundo, pode socializar e/ou democratizar a informação, tornando-a livre, como acontece em alguns aspectos, mas também pode fragmentar ainda mais as informações, o pensamento, as ações. Salvo as crianças e algum idoso que, por acaso participe da rede, os demais (incluí-se aqui, jovens e adultos), precisam praticar o bom senso e certa prudência quanto ao uso deste ‘instrumento’ ou ferramenta. Mas acontece de algumas criaturas sem muita noção do medíocre, da vulgaridade ou banalidade no uso da informação-comunicação, saem pelo mundo virtual distribuindo suas mágoas, dores, frustrações, como se estivessem deitados num divã. Geralmente esbarram em questões em que mal conseguem pensar sobre elas, porém, movidos por uma petulância na falta de bom senso, acabam por tornarem-se agressivos (pior, numa agressividade sem inteligência, pois com ‘inteligência’, muito do que é agressivo em seu interior, torna-se, potencial ‘crítico’ e desconstrução). Para que isso aconteça, deve-se contar com o bom uso da linguagem - e a linguagem é uma via perigosa. Portanto, quem faz uso de certas armas deve ter o cuidado (a prudência) de saber para que lado faz alvo e no que atira. É muito comum o tiro sair pela culatra. Nisso, não canso de me deparar com sujeitos que entram em algum assunto exteriorizando suas mediocridades, suas frustrações, sua ignorância. Estúpidos! Acabam por somar na fragmentação das idéias, da informação e da comunicação. Acabam por se tornarem reprodutores da banalidade. E antes que me interpretem mal ou desvirtuem o que está sendo dito, não estou dizendo aqui que todos tenham que ser teóricos ou intelectuais na hora de adentrar em algum debate ou escrever e publicar certas coisas na net, mas, no mínimo, ter certa cautela, bom senso, certa prudência e conhecimento do que se está abordando, defendendo ou atacando, além de estar um pouco ligado na forma, modo e conceitos que utiliza, para não cair em armadilhas da linguagem. Quem vai com muita sede ao pote pode acabar se afogando. Por isso, como diria Nietzsche: ‘E quem hoje ri melhor, também ri por último’.



As palavras ecoam
A teoria do Caos não escolhe vítimas – são elas que escolhem a si próprias
Levemos em consideração a teoria do Caos, onde ‘as palavras ecoam’. Quem consegue perceber isso e passa a considerar essa percepção, esse conhecimento, também passa a agir com certa consciência de si, do espaço e do outro, e isso é um tipo de inteligência que devemos praticar – ou incluir nas nossas práticas cotidianas, em outras palavras, a ‘coerência’. Muito da prática filosófica se tornou segmentarismo e determinismo devido a fragmentação do pensamento. O idealismo platônico nos diz: ‘Quanto mais o conhecimento é abstrato, maior ele é’, e a influência deste pensamento marca a produção de conhecimento na história da humanidade (a partir dele). Segundo a filósofa Viviane Mosé, o idealismo platônico afirma que ‘quanto mais o conhecimento é abstrato, distante do movimento da vida, quanto mais ele é distante dos corpos, dos processos, maior ele é’, e isso deságua na valorização da idéia e não da vida – caracterizando a abstração do pensamento: Eis o idealismo! Esse processo de abstração do pensamento na sociedade (assim como em determinados espaços de leitura e afins) que privilegia a palavra, acaba ‘mediocrizando’ o pensamento em si, ou seja, a própria filosofia. É preciso perceber o todo para evitar cair em discursos medíocres – e esse é um ato de prudência e de inteligência. A reprodução de valores e ‘verdades’ ideológicas se dá nos discursos, geralmente em formas de texto e idéias vulgarizadas pela sujeição do ‘todo’ ao ‘particular’, reproduzidas em diferentes espaços: televisão, rádios, revistas, jornais, redes sociais, blogs e afins.



O lugar da pseudo-filosofia – ou da fragmentação filosófica
















Os que habitam o mundo ideal não percebem a guerra que há aqui fora
Negar a aplicação do pensamento, das experiências nos espaços abertos e propícios a isso, tendo em vista a noção do todo, afastando o pensamento e a teoria ou o debate filosófico da realidade cotidiana, do dia a dia, é admitir a existência de uma ‘superioridade’ de pensamento, ou seja, uma divinização do lugar do pensar e do pensador, como bem entendia Platão. Uma das problemáticas a enfrentar no contemporâneo, é justamente a fragmentação do pensamento, das idéias. É preciso retomar o pensamento, o conhecimento, como algo ‘universal’ (mas não generalizante – há uma diferença nisso). Para isso, são imprescindíveis as referências ou a soma dos conhecimentos e leituras de mundo adquiridos no caminho e pelo tempo. O pensador contemporâneo Hakim Bey nos fala do uso dos conhecimentos passados e contemporâneos, como uma forma de política (ou como posição), ou seja, na eleição daquilo que é coerente com cada situação e a forma que isso pode ser usado na desconstrução dos determinismos e na destruição dos reducionismos que amesquinham a razão, a sensibilidade e a realidade. O corpo sócio-cultural deve ser visto como um todo e não como partes separadas. O pensamento fragmentado, particularizado é um pensamento fabril, ou seja, como se vivêssemos numa fábrica onde cada parte é dissociada da outra, sendo que, o mundo é um complexo de valores e diversidades. Portanto, cabe ao pensador, ao filósofo hoje, transcender a abstração da realidade. Cabe a ele(s), trazer, como assim fizeram alguns filósofos, o pensamento, as idéias, a filosofia, ao mundo físico-material-real, ao cotidiano, ao dia a dia. O idealismo platônico tem mais presença no pensamento do que a crítica a ele próprio, e, percebendo ou não, muitos reproduzem essa via, essa prática. Então, é uma questão ‘política’ a nível de pensamento e prática desconstruir essa ‘realidade’. É preciso, como querem alguns pensadores, retomar a filosofia, ou seja, o pensamento do todo, e superar essa fragmentação em partículas isoladas do saber. O saber não pode estar submetido a mesquinhez do particular, do privado. O saber só tem sentido quando objeto da alegria, da felicidade humana.  E como bem anotou Thoreau: ‘A felicidade só existe quando compartilhada’.



Subestimando o outro: prática comum de rebanho

Em 3 semanas, foram 4 pessoas do mesmo ciclo de ‘amizades’ ou interesses, que me vieram testar-desafiar-aporrinhar. Mas eu, como alguém calejado de estrada, já que não nasci ontem e desde novo ascendi para as possibilidades, andei todo esse tempo recolhendo inutilidades pelo caminho, incertezas, peças interessantes para minha própria construção – e ainda não estou acabado, tenho a consciência, muito pelo contrário, a cada passo dado um novo aprendizado, um novo conhecimento.  A questão é que, por eu ser alguém ‘disposto’ ao novo (e ao velho), às diferenças e transformações, por eu chegar ao ponto de poder optar e escolher algumas das minhas práticas sócio-culturais, e assim, devido as escolhas, naturalmente, ter certas posições, sendo um ser político e não territorializado (leia-se política além do conceito predominante, vulgar e institucional), assim me tornar um ‘homem de guerra’ (fazendo jus ao meu nome e sua constituição) e não um passivo espectador e/ou idealista da fragmentação do pensamento, muitos me vêem como um radical. Pois bem, admito, sou um. Mas radical, longe de ser sinônimo de intolerante ou fundamentalista. Portanto senhores, não confundam as coisas. Radical vem de raiz. E eu, como ‘um radical’, parto, muitas vezes, das raízes das coisas – ou no mínimo, as considero. De que serve a leitura (leia-se leitura aqui como uma prática ou experiência, uma visão, audição, olfato e paladar, além dos olhos percorrerem as linhas em publicações – ler-se a si e ao mundo) se não utilizada para o compartilhamento com o outro e o mundo? E é simplesmente isso que faço em meus textos, assim como, quando subo em algum palco para, com a banda tocar, comunicar, interagir com os demais, expressar – trabalhando e usando certa linguagem para isso. É o mesmo em sala de aula e, até mesmo, num bate papo despretensioso de bar. O pensamento individualista de superego, neste caso, não cabe e nem vem de mim, mas talvez da cabeça - e pela visão habituada - dos que antecipam o conhecimento sobre o que vêem e pensam que eu represento. Estou além da representação, tenham certeza. Aliás, todos estamos. Não se pode deixar-se guiar simplesmente pela ‘aparência’, ou pelo ‘eu acho’, muito menos pela influência de terceiros, principalmente daqueles que mal se conhecem - quem dirá conhecer os outros. Há muitos ‘faladores’ por aí, e ‘alguns’ comunicadores, inclusive na internet. Alguns, hoje amigos e/ou conhecidos, também, antes mesmo de me conhecerem, devido as minhas posições-exposições públicas, ou devido a rumores de terceiros, achavam que eu era ‘assim-assado’. Mas, bastou uma conversa, uma troca de palavras e idéias, para que a ‘percepção’ mudasse. Hoje conto com muito desses no meu ciclo de amizades e afins – as afinidades juntam as pessoas para algumas práticas sócio-culturais que acabam em bons resultados. Mas outros vieram, e antes mesmo de realmente saberem, já caíram em ‘achismos’ e reproduções, subestimando este escriba que voz fala. E eu não suporto muito os que subestimam. Para estes, sempre tenho palavras a dar – ou um silêncio mais perturbador do que qualquer termo que se use-aplique. E foi isso que aconteceu. Adquiri o respeito dos mais prudentes ou coerentes e uma maior dificuldade de relacionamento por parte dos mais egocêntricos que não baixam a guarda pra nada, talvez por medo de serem reconhecidas as suas fraquezas. Isso não seria um problema. Mas algumas pessoas preferem a vida nas sombras, sempre se esquivando da realidade, dos outros e de si mesmas. Pedem conforto e proteção, e o medo as assola os dias. Pobres criaturas! Mas não é com pena que se resolvem essas situações. Talvez com algum tratamento psicológico ou com o tempo mesmo. Uma superdose de estrada sempre ajuda nessas chancelas. Algumas abordagens foram muito interrogativas. Perguntas e mais perguntas. Sobre a minha pessoa, minha relação com o meio e com as coisas, com as pessoas, com o mundo. Meu pensamento (e isso me deixou ainda mais certificado – eu penso! Hehe!). Outras, com um tom de ameaça. Dessas eu acabei rindo, pois o medo não estava em mim e sim no tom do outro. No fim, acabei tirando tudo de letra, não levando tão a sério esse tipo de teste. Isso representa o quão nossa organização social carece de fundamento, e o quanto o idealismo platônico gerencia a cabeça de certas pessoas. Muitos são habituados a seguir, ou seja, escolhem um líder e um ou mais inimigos ou alvos. Passam a ser porta-vozes e/ou representantes desse líder numa guerra imaginária entre dois lados, sendo que a guerra acontece em outro âmbito, bem maior, que, diga-se de passagem, está muito além do individual-pessoal. O problema é perceberem isso. E essa diferença transparece geralmente nas produções. Textos e suas fundamentações, argumentos, coerências ou não, mostram esse embate, essa diferença toda em ‘pensar o mundo’ e a ‘si próprio’. Veremos adiante, brevemente – e didaticamente, um pouco do que me refiro.


O Espelho – ou, o inferno são os outros


"A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero." H. D. Thoreau

‘O Espelho’ é um belo filme, poético-literário, psicológico e com um magnífico trabalho fotográfico, de um dos grandes diretores do cinema-arte, o russo Andrei Tarkovsky. O espelho a que me refiro tem haver com o filme, mas não é dele que vamos tratar agora. Não será preciso citar Freud, nem seu discípulo Lacan, ou qualquer outro psicanalista para adentrar no tema pelo menos. Sejamos diretos e enxutos na linguagem e tratamento do assunto – mas não incoerentes ou imprudentes.  Pensando a questão e forma mais ‘analítica’ e ligando o tema ao texto anterior, chegamos ao individualismo (do tipo ‘pequeno burguês’ como o querem os marxistas) como prática sócio-cultural, assim como, a tomada de partido pessoal, ou a ação ‘pessoalista’ de caráter reducionista-determinista, referente a debates que deveriam partir do local para o todo ou vice-verso – prática típica da sociedade utilitarista fabril e o pensamento que a segue (‘filosofia’ fragmentária). Em psicologia se usa o termo ‘projeção’, que neste caso significa atribuir ao outro aquilo que queremos que ele tenha, tanto em qualidades que não possuímos, como os defeitos que temos e não sabemos lidar ou não podemos suportar. Sem perceber, ou devido a algum trauma ou frustração, muitas pessoas tornam a projetar seus sonhos e pesadelos nas costas dos outros: são os pais que desejam os filhos como eles; o sujeito que vê no outro o que gostaria de ser, ou deseja a vida do outro pra si, etc. Fazer com que o outro seja o nosso espelho é viver parcialmente. Em função de um sentimento de inveja, ou devido a transferências de suas frustrações ao outro, muitas pessoas comentem verdadeiros equívocos, quando não passam a pensar e atuar de forma mesquinha e com uma ira profunda contra o outro, si mesmo e o mundo – o que muitos chamam ‘rebeldia sem causa’, onde se perde o foco, a abrangência do olhar e do pensamento, transformando-se em algo fragmentário, direcionado e pessoal. Uma possível ‘solução’ para este problema de ordem psicológica, social e cultural, ma também ‘conceitual-teórica’, seria "virar o espelho" para a própria direção e perguntar se a crítica feita de forma leviana não se encaixa a si próprio: Será que aquilo que não nos agrada no outro ou suas práticas, não seria algo que gostaríamos de ter/fazer e não temos/fazemos? Não adianta simplesmente "quebrar o espelho" que reflete nossos defeitos ou fraquezas. É necessário aqui um ajuste de auto-estima, e o primeiro e primordial passo para a superação de si, neste caso, é assumir-se, e não direcionar ou transferir ao outro suas próprias faltas – no caso, largar as muletas. Nisso também reside uma questão de ética. Mas não aquela ética comumente pensada, onde se age simplesmente movido por uma regra de conduta ou moral. Mas a ética dentro da coerência: conhecimento/saber-pensamento-ato. Nisso, faço das palavras da filósofa Viviane Mosé, as minhas: ‘Ético, é o ser humano que entende, que cada gesto dele tem um desdobramento infinito’ (leia-se teoria do Caos), ‘e que esse desdobramento vai, em algum momento, recair sobre ele’.  ‘Ético, portanto, é o ser humano que entende que não há nada isolado, e que por isso, presta atenção nas pequenas coisas’ – complemento: ‘e passa assim, a não mais subestimar o outro’.

hgs.




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