quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A mais de 500 anos...

 
 
Quando eles chegaram, a centenas de anos nós já estávamos aqui. Vieram de uma terra distante e fria. Trouxeram consigo seus instrumentos de metal que cortavam nossa carne e outros que cuspiam fogo. Trouxeram um tal livro sagrado e uma cruz, nos dizendo que ali estava a verdade. Os de nós que acreditaram foram escravizados, usados como moeda de troca e depois tornados obedientes, submissos. Tiveram que abandonar seus costumes para fazer a vontade e o desejo dos invasores. Tudo “em nome de deus!” diziam eles. Os de nós que resistiam eram mortos. Alguns poucos conseguiram sobreviver. Um massacre que, continua até hoje. Mais de 500 anos depois, algo de nós ainda resiste e só por isso sobrevive. Até quando? Não sei. Eles dizem através de uma caixa que tem imagem e voz, muito popular, chamada televisão, que se estamos vivos é graças as suas leis. Mas eles mentem ao mundo e a si próprios. Nossas crianças e mulheres foram exploradas, violentadas, tornadas objetos em suas mãos. Nossa cultura foi corrompida. Diziam que não tínhamos alma, que éramos hereges, filhos do mal. Se autodeclaravam civilizados e nos chamavam primitivos. Não entendemos até hoje porque seu deus vive dentro de uma casa de concreto a que chamam igreja ou templo, e porque esse deus não se manifesta na natureza como os nossos, assim como eles não entendiam o motivo dos nossos vários deuses. A diferença é que os nossos deuses não davam a sua palavra como verdade única e absoluta, e nós nunca os usamos para a desgraça alheia. Obrigaram-nos a servir, rezar ao seu modo, ser o que não éramos. Depois tomaram, cercaram e feriram nossa mãe terra, nossas águas, matas, bichos. Continuaram com seu plano divino, e descobrimos que ele também era terrestre. Um tempo depois escravizaram e submeteram a si próprios, como a seus iguais. Chamavam-nos de pecadores, ignorantes, dizendo que vieram para nos salvar, mas suas atitudes comprovaram o oposto. Hoje estamos reduzidos a poucos, perambulando pelas ruas das suas cidades. Os que ainda resistem e vivem perto da natureza e com contato direto com a mãe terra, aos poucos são expulsos ou mortos por eles. Fazendeiros ou latifundiários, empresários, políticos e líderes religiosos, alguns artistas e cantores da televisão, reunidos pelo mesmo fim: o nosso fim.  Não somos mais bem vindos à nossa própria casa. Invadiram-na e nos expulsaram. Será que gostariam que fosse com eles? Seremos os últimos do nosso povo? E o que será feito da nossa mãe terra quando coberta pelo nosso sangue? Perguntas que eu faço aos que ainda não estão contaminados pela doença suicida chamada ganância e tem sensibilidade para saber que, sem o ‘outro’, o ‘eu’ não pode existir...
 

·         ao povo indígena da etnia Guarani Kaiwoá do Mato Grosso do Sul, Brasil

 
 
 

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