sexta-feira, 23 de maio de 2014

Leituras do Cotidiano, 23/05

No ventre da pampa...

Criei-me no campo. Mas também na cidade. Entre Xapecó e Caxambu do Sul. Na época, Passo Fundo, se comparada a Xapecó, era chamada de ‘cidade grande’, e pra lá eu ia meio direto visitar parentes estimados. Nascido em criado em uma família tipicamente gaúcha, pois foi do Rio Grande do Sul que vieram meus avós, tanto paternos quanto maternos, e assim foi com meu pai. Natal José Silvani, um gaúcho da região de Erexim que conserva muitas das tradições, um dos fundadores do primeiro CTG da cidade, ainda nos anos’70, entre outros. Entre o belíssimo sítio dos meus avós maternos, o matadouro do meu avô paterno e a cidade, eu cresci. Entre canções e poesias nativistas aprendi minha primeira forma de linguagem artística. Eu era criança. Cresci um tanto e me tornei campeão em declamação de poesia gaúcha em todo o Sul do Brasil. Viagens, rodeios, concursos em que sempre trazia medalhas ou troféus para casa, a maioria deles, de primeiro lugar (modéstia parte! – risos). Meu pai, um grande declamador e trovador que também arranha uma ‘oito baixos’ (gaita ponto) e um violão espanhol (nylon), foi quem me ensinou. Criterioso, o seu Natal não dava mole. Sofri um pouco, mas aprendi algumas coisas que acabaram me impulsionando a outras. Quem me vê e quem me viu. De artista gaúcho a guitarrista e compositor de rock. Entre bombachas e alpargatas, chiripás e botas, durante um bom tempo fui ‘gauchista’. Vou usar o termo ‘gauchismo’ para me referir a esta postura que é (nem que seja volta e meia) estar tipicamente pilchado (referente ao traje gaúcho) e manter algumas práticas referentes a certos aspectos da cultura gaúcha, daqueles que, no caso, frequentam CTG’s, rodas campeiras e afins. Até hoje mantenho com meu pai um razoável acervo musical em disco de vinil de artistas gaúchos, sob tudo, nativistas, os meus preferidos. Em algumas das minhas viagens a Porto Alegre, de anos atrás, percebi certo embate entre dois movimentos dentro desse ‘gauchismo’. De um lado os chamados tradicionalistas, do outro, os nativistas, e isso demonstra que o ‘gauchismo’ não é feito apenas de um único viés cultural, a política existe dentro dessa ‘ótica’, dessa cultura. Por fim, larguei a um bom tempo das bombachas, porém, tenho muito respeito a elas, mas não como sendo algo saudosista ou puro, mas simbolicamente falando, ou seja, respeito alguns aspectos dessa minha ‘origem’ (uma delas, no caso), pois também fui construído enquanto ser social dentro dessa cultura, e parte dela se mantém viva em mim. Encerro este breve relato com uma estrofe da poesia Eis o homem, de Marco Aurélio Campos (Os Teatinos):
                                                                                                                                 


Brotei no ventre da Pampa, 
que é Pátria na minha Terra. 
Sou resumo de uma guerra 
que ainda tem importância
Diante de tal circunstância, 
segui os clarins farroupilhas
e, devorando coxilhas, 
me transformei em distância. 


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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