quinta-feira, 19 de março de 2015

Cena cotidiana

Todo dia os carros passam sempre cheios de pessoas, poesias e outras inutilidades. Todo dia o fedor do gás que sai das descargas dos carros enche meu organismo de sujeira (e meu saco!), e eu sufoco, aos poucos, dia após dia. Todo dia os carros atrapalham o trânsito. Meus passos vivem castrados por isso, enquanto eles andam e andam, donos do espaço físico do chão. Todo dia os carros atropelam cães ou galinhas ou crianças ou velhos ou tontos como eu - que caminham nas nuvens. Todo dia os carros se esbatem como gladiadores na arena de um grande circo armado para o entretenimento. E todo dia a humanidade passa, imbecilizada, junto aos carros, atropelando formigas, baratas e outros bichos que trafegam sem serem notados. Todo dia, todo o santo dia, os carros nascem e morrem, assim como as pessoas, as formigas, as baratas, os sonhos... Assim como eu e você.



 *  Um poema que passa, como um carro, como uma informação, por nós, e que, às vezes, nem notamos, entorpecidos pela passagem das cenas cotidianas urbanas e suas poluições. Um carro não é um poema. Ele é útil, o poema não. Assim como a vida que, não tem utilidade, apenas é... pra ser vivida, assim como, o poema, que é pra ser sentido, vivido. O carro, este passa e morre - e às vezes mata no final. 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 13/03.



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