quinta-feira, 7 de maio de 2015

Leituras do Cotidiano

Xapecó é uma cidade quadrada e plástica. Quadrada no sentido arquitetônico (o que não deixa de ser, por isso também, no sentido ‘espiritual’). ‘Plástica’, não no sentido artístico da palavra, mas no sentido superficial, naquilo que se descarta. Nisso, me refiro à estética da cidade, seus prédios ou construções. A cada esquina um prédio novo, quadrado, cheio de vidros e paredes retas e brancas, como um hospital. Paredes sem nada. Nem arte ou textura. Só o branco morto de uma cidade feia em sua arquitetura. Construções que avançam calçadas tirando o chão do pedestre e o empurrando para a rua onde carros também feios e plásticos e quadrados passam a mil com seus motoristas também feios e plásticos e quadrados dirigindo, correndo para lugar nenhum. Enquanto isso as poucas cores, texturas e formas da cidade vão dando lugar a esta feiura quadrada e plástica dos prédios, ruas, carros e muitas pessoas que dentro de tudo isso também integram a paisagem. Mais uma casa de arquitetura artística que despenca no centro para em seu lugar subir um prédio destes feios e quadrados e plásticos. Decerto será um escritório de advocacia ou loja ou terá salas para alugar. Na cidade da especulação imobiliária e da arquitetura feia e quadrada e plástica, todos vão se tornando isso também. Assim como estas palavras, este texto, que não tem por onde sair, não tem fuga nem leveza para derrubar as paredes do seu próprio espaço. Tudo muito reto, seco e rude. E um cheiro de concreto frio e úmido que faz sombra artificial encobrindo um pouco a feiura das pessoas que passam tão frias quanto às ruas e seus prédios brancos, quadrados e plásticos. Pessoas que se esbatem pelas ruas em frente às vitrines para consumirem e serem também consumidas. As paredes brancas e retas e duras e frias e quadradas e plásticas e feias não tem expressão nem vida. São limites para o corpo e o olhar. Nesta cidade destruída e tão pouco habitada por gente viva e que ainda mantém certo brilho e cor no olhar. Mortos descem e sobem a avenida, passeiam pelo único e frio e quadrado shopping da cidade. Vivos também vão lá terem experiências de como é morrer sem estar vivo. Somos parte da cidade com nossos corpos compondo o espaço e a matéria compartilhada, dividida e controlada da cidade. Habitamos ruas, vielas, apartamentos, caixas de papelão, casarões, mansões, casebres, taperas, buracos, corpos. Nosso limite são as paredes feias, frias, retas, brancas e plásticas. A cada olhar uma decomposição, sem cor, sem arte, sem comunicação. Só frio e brancura. Eis a paisagem da cidade na sua concentração comercial. Farmácias, academias, igrejas e outras promessas utopizam as cabeças de concreto que se confundem com postes, hidrantes ou parquímetros. E a cidade aos poucos vai perdendo seu brilho para o cinza fúnebre que sai da descarga dos carros e se mistura as paredes mortas. O patrimônio histórico-cultural morre com a memória de grande parte da população que pouco tem referências de onde vive, está, veio ou vai. Não importa, as paredes dão o tom de todo este vazio, este lapso que é a nossa memória coletiva, histórica e cultural, este descaso com a cidade e sua história. Prédios que não foram tombados pelo patrimônio histórico e cultural, são descaracterizados, quando não, tombados pelas marretas ou máquinas, para que em cima dos seus escombros se ergam prédios brancos ou salas comerciais. Eis a cobiça de meia dúzia de empresas imobiliárias e do poder público que, comungados e insensíveis, vão minimalizando a cidade. Eis nossa cidade que, ao mesmo tempo em que se ergue vivaz, vai definhando para morte, sem memória ou identidade, sem arte e expressão. Xapecó vai desaparecendo aos poucos no seu próprio desenvolvimento, como um gigante que, de tão grande, já não tem imagem.


“No fim das contas penso que a única coisa que justifica construir uma parede é derrubá-la algum dia”. (Efraim Medina Reyes)


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



Nenhum comentário: