sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Cidade

Acordo no meio da noite embebido no próprio suor. Febril, passeava num pesadelo. O dia fora cansativo e as pessoas na rua não eram sorridentes. Sei que antes de dormir comi pastéis. Pesou no estômago. Foi isso. Mas também foi o dia cansativo lá fora. Não achei ninguém de cara boa para dizer um oi e ter outro oi sorridente como resposta. Depois que cheguei em casa e me olhei no espelho percebi que a minha cara também não era boa nem convidativa nem simpática para querer isso. Me conformei. As pessoas que transitam pela rua já não são mais as mesmas. A cidade mudou como as pessoas que transitam. O comércio é um parque de diversões ou um circo onde todos se curam das suas frustrações, mesmo que momentaneamente. Na esquina de uma avenida qualquer uma menina vende seu corpo por míseros trocados, enquanto a poucos metros dali um guarda esbofeteia um garoto só por que ele tirou o sorvete de um adulto armado de apenas palavras. Soube dizer o garoto. Não soube contradizer o adulto. E o guarda soube bater. Só isso. Essa é a grande relação desses tempos. Meu rosto no espelho não sorri, pois não acha nada disso engraçado. Meu suor febril da noite é o sintoma da minha doença que não é só minha. É uma doença de todos os transeuntes que como eu caminham e caminham, sem sonhos novos com ilusões velhas. Sem risos. Com desespero. 


* também publicado no jornal Folha do Bairro, 12/09.



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