sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Leituras do Cotidiano, 19/09

A linguagem mercadológica empobrece a arte

Apreciador e pesquisador de arte de longa data e suas variadas linguagens, há tempos também produzo. Sob tudo, me arrisco escrevendo algo em literatura, compondo música e fotografando. Essas são as linguagens artísticas que ‘pratico’ e por onde me expresso. Não ganho a vida só com elas, mas também não nego que, algumas delas me ajudam no orçamento mensal. Mas isso não é tudo. De uns anos pra cá, muito se fala em ‘qualificação’ ou ‘profissionalização’ artística, a partir da ideia de ‘profissão’ ou ‘profissionalização’. Nisso, consideremos nossa vida cotidiana que é adequada ao modo de produção capitalista, no sentido econômico de sobrevivência. Dentro disso, o que mais ouvimos falar é de um tal ‘mercado de trabalho’. Em ‘produção artística’, se ouve falar em ‘mercado da cultura’ ou ainda ‘mercado artístico’, quando não, ‘produto cultural’ ou ‘artístico’. Pois bem, são termos, definições, conceitos e concepções que se expandem no corriqueiro dos dias. Acontece que, muito do que se anda produzindo sob a égide do tal ‘mercado’, vem de uma exigência limitadora dessa produção, o que interfere, direta ou indiretamente no ‘conteúdo’ artístico (o que na linguagem mercadológica se chama ‘produto’). Como compositor musical, não faço música com a finalidade de submissão ao dito ‘mercado’, ou seja, não componho com o objetivo principal de tocar minha música em rádios. Não que isso não seja interessante ou importante, mas, essa ‘regra’ estética e limitadora de tempo imposta pelas ‘mídias oficiais’ acaba empobrecendo ou mediocrizando a linguagem artística, onde a expressão, a estética (forma, beleza, detalhes, rasuras, impressões, dinâmicas, etc.) do conteúdo artístico ficam submetidas a essa ‘regra’. Enquadra-se, reduz-se, limita-se, superficializa-se assim, aquilo que poderia ser amplo, intenso, profundo. Pegamos a música como exemplo. Muito da música que se produz e se consome hoje, tanto nas rádios como na TV, principalmente, é uma música formatada segundo as ‘regras’ deste mercado, desta ‘indústria cultural’. O preço que o ‘artista’ paga é o empobrecimento do seu material, do seu conteúdo, da sua expressão, da sua arte. Uma arte submetida às regras do mercado ou da indústria - a imagem triste e medonha deste ‘jogo’. Assim, a arte perde o que tem de mais importante, sua ‘espiritualidade’, a exemplo do que diria Andrei Tarkowski (grande mestre do conceito, da imagem, do cinema arte). A ‘voz própria’ (conceito a partir de A. Alvarez, ensaísta da linguagem literária), não é possível com isso, e ao contrário, aquela que seria a ‘expressão’ do conteúdo e/ou do artista, tornasse uma ‘não voz’, ou seja, um mero produto ‘formatado’ de mercado, pois soa como os ‘demais’, sem autenticidade e espiritualidade alguma. A particularidade de cada ‘voz’ é importante e intransferível na arte. Por exemplo, já que falamos em música, ao ouvirmos guitarristas como Eric Clapton, Jimi Hendrix ou Santana, logo de cara reconhecemos seus solos e timbres, pois estes tem ‘voz própria’ no que fazem e compõem. Quando ouço rádio, geralmente o que ouço é o oposto disso. Muito do todo soa bem parecido, ou seja, dentro das ‘regras’ de estética e tempo que a massificação do conteúdo artístico tornado mero produto impõe. Eis a miséria de muito produto e pouca arte que se propaga pelos meios de comunicação de massa, onde pouco se comunica e se expressa (artisticamente falando), e muito se doutrina e se vulgariza.


* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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