Rolezinho no pátio
Final de expediente. Deixo recado no facebook para meus amigos. O
convite é para uma diversão: ‘Ei pessoal, vamos agregar valor no nosso camarote
com um rolezinho no pátio?’. E lá vamos nós. Parar na esquina e esperar o busão
que nunca chega é o primeiro ato. Serviço porco e público que se tem que pagar.
Depois de um atraso significativo o busão chega. Entro na lata de sardinha
entulhada de gente abrindo caminho, abanando o pó da rua. ‘Meu perfume
paraguaio já era!’ Fiquei mais marrom do que já sou. ‘Vida de periferia é isso
mermão!’. E lá vamos nós. E o busão que não chega nunca. O pátio é longe.
Depois de alguns longos minutos, chegamos. Encontro o resto da turma na
esquina. Subimos as escadas. Até a porta do pátio demora a se abrir para nós.
Será que ele tem detector de suburbano? O segurança puxa algo do bolso e se
comunica com alguém. As atenções de dissipam das vitrines e mercadorias. Agora
são todas nossas. Tem uma linda garota branquinha me fitando com desejo, eu
percebo de longe. Seu pai e namorado não gostam e a repreendem. Não demora
muito e o pavor de alguns escandalizadores começa. Um gurizinho comendo um Mac
aponta de dedo pra nós e diz: ‘Etê pai, Etê!’. Algumas lojas fecham suas
portas. Celulares nos fotografam. Somos famosos ou exóticos? Minha mina vem e
me da um beijo quente. A branquinha me fitando morde o lábio. Seu namorado se
irrita enquanto seu pai a aperta no braço. O ambiente silencia. A polícia chega
e nos convida gentilmente com cacetes na mão para a retirada. Não entendemos o
motivo, e quando perguntado, o comando diz: ‘Não importa!’. As pessoas brancas
e bem vestidas, ditas ‘de bem’ aplaudem eufóricas. Continuo não entendendo –
‘Ué, não vi nenhuma apresentação por aqui?’. A paz de cemitério volta a reinar
no pátio enquanto nós ganhamos a rua. Ufa! Aqui fora o ar é bem mais leve. Ouço
um estrondo, como que um tapa. A menina branquinha que me fitava sai porta
afora em prantos. O namorado a segurando pelo cabelo enquanto o pai moraliza,
tudo sobre os lamentos e conveniência da mãe e o espanto do irmãozinho. A
polícia e os seguranças não fazem nada. Minha vontade é encher o namorado e o
pai de porrada, mas um cordão policial me impede. O busão chega, só que agora,
sem poeira. Nossa diversão não aconteceu e o pátio continua limpo. Lembro de
quando criança no interior quando minha avó dizia: ‘Piá, pega a bassora de
guanchumba e vá varrê o pátio!’. Decerto o pátio estava sujo. Sujeira varrida
pra debaixo do pano. E o rolezinho não agregou valor algum ao nosso camarote.
Volto pra casa e pro face, onde a vida acontece menos dura pra mim. Amanhã tem
mais role. Só que desta vez, levaremos as bassora.
(Essa ‘estória’ é
fictícia. Qualquer relação com a realidade é mera coincidência).
* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó...
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