segunda-feira, 27 de julho de 2015

Leituras do Cotidiano

‘Esquerdistas’ contra Nietzsche

Não é a primeira vez que me deparo com a velha, distorcida, fragmentada, determinista, reducionista, ideológica e péssima leitura e interpretação do pensamento de Nietzsche por alguns ‘intelectuais’ ditos de esquerda. Na revista digital Gabrois, publicação vinculada ao PCdoB, do dia 25 de julho, um texto intitulado: ‘Marx e Nietzsche diante da modernidade capitalista’, assinado por Augusto Buonicore, traz uma tentativa de ‘interpretação’ (que acaba sendo uma ‘distorção’) do pensamento e figura de Nietzsche. Parece que, o que muitos ideólogos ‘esquerdistas’ ainda não aprenderam, talvez por não estudarem o suficiente o pensamento daqueles os quais se opõem, é que, além de Marx (um dos maiores pensadores sociais que o mundo já teve), existem outros dignos de atenção e interpretação. O texto do Sr. Buonicore é medíocre, no sentido de, claramente ser um descarrego ideológico contra algo que o autor parece mal conhecer (e se conhece, pior ainda!). Nisso, percebo, e não é a primeira vez, certa alergia com a palavra ‘aristocrata’ por parte de alguns idealistas marxistas (ou platônicos? ‘Niti’ assim diria, certamente!). Quando 'Niti' fala do 'aristocratismo', não é a partir do desprezo a outras formas ou classes, como o texto do Sr. Buonicore faz parecer, mas é do ponto de vista 'cultural'. Ou seja, um espécie de 'apologia' a uma 'cultura' mais 'esclarecida', aprofundada, pensante (que era a aristocrata naquele período - inclusive Engels, parceiro de Marx, vinha dela), isso, inclusive, aplicado ao popular, e não na 'popularização ideológica doutrinária' dos conteúdos e bens produzidos pela sociedade a partir de interesses privados ou de Estados, sejam eles capitalistas ou socialistas. Em suma, a grande questão de ‘Niti’ era contra o idealismo (o que chamava de ‘muleta’) que, para ele, predomina(va) tanto no cristianismo quanto nos socialismos. O 'idealismo platônico' (usado pela Igreja medieval), caracteriza(va) parte significativa das ideologias ditas 'sociais', na crença de um 'futuro melhor' (o paraíso), bem o oposto do que o texto do Sr. Buonicore traz de 'Niti'. Ao contrário do que se diz no texto, quem faz 'guerra' entre Marx e Nietzsche, não é nem Marx nem 'Niti', mas alguns dos seus 'leitores'. Quando 'Niti' refere-se ao 'ser guerreiro', usa ele próprio como exemplo, pois se coloca dentro da sua filosofia, sendo 'ele mesmo', seu 'eu', um 'personagem' de sua obra que, diga-se de passagem, tinha mais de uma única voz - leia-se Ecce Homo, a exemplo). O seu 'eu guerreiro' tinha relações com a filosofia oriental e pré-socrática, a qual era especialista. Portanto, não pode ser localizado sob a ótica 'dualista' judaico-cristã (mesma do texto). Por fim, convenhamos, 'Niti' não escrevia receituário. Era filólogo e filósofo, estudioso de antigas escrituras, na sua luta assídua contra os 'idealismos' que escravizam, mediocrizam e reduzem a vida a uma fórmula de compensação.
















* também publicado no jornal Gazeta de Chapecó.



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