domingo, 27 de fevereiro de 2011

Ela...

Fixou seus braços em volta do meu pescoço. Naquela manhã, andávamos descalços sobre as folhas secas da rua. Folhas de plátano. Era outono e o sol estava ameno. Juntos pra cima e pra baixo, como se fossemos uma pessoa só. Ninguém nos via, ninguém nos notava. Um cão sempre ao lado, vagabundo, livre das correntes e grades - e de algum dono indesejável. Os cães nos notavam. Os cães nos cheiravam abanando seus rabos. A rua deserta. O vento soprava nossas faces e os pássaros cantavam distantes. Conversávamos baixinho assuntos engraçados. Os risos é que eram altos. Ríamos muito! De tudo. Um dia, no final da tarde, fomos ao parque ver a revoada dos pássaros, que em bando, enchiam as árvores ao escurecer. Expliquei que era assim que se protegiam dos predadores à noite e que, aquele evento sempre acontecia quando os pássaros se recolhiam para ir dormir. Ela ficou por alguns minutos em silêncio, pensativa, descansando seu olhar nas árvores tomadas pelos pássaros. No fim, lentamente abriu um sorriso de satisfação. Algumas pessoas andavam rapidamente em direção as suas casas, seus apartamentos, saindo do trabalho ou voltando de alguma compra no comércio central da cidade. Ônibus cheios passavam pelas ruas. Transito intenso, buzinas e faróis, pessoas estressadas, algumas até calmas, mas todas sobreviventes no final do dia. Eu e ela, alheios, como criaturas paralelas de um mundo paralelo, nos olhávamos e sorríamos, sem precisar de palavra alguma para nos comunicar. Sabíamos, os dois, que tudo aquilo não pertencia ao nosso mundo. Nem a correria, nem o estresse. Estávamos além disso tudo. Felizes com o pouco que tínhamos. Não necessitávamos de tanto, por isso, optávamos pelo pouco, pelas coisas ínfimas e cotidianas, invisíveis para os olhos de toda a ambição, assim como nós. E como era bom ser invisível. Só nos via quem admirava nosso modo de vida, ou, como nós, vivia por isso, com isso. Numa noite, a tempestade veio e com ela trouxe o pesadelo. Nós que sempre amamos a chuva e o vento, dormíamos num leito fraternal em nossa casa enigmática, longe das chagas corruptíveis do homem burocrático. O pesadelo foi acordar na madrugada e não tê-la ao meu lado. Minha filha que nunca existiu.


5 comentários:

Angelo disse...

Pensei que ia ser só mais uma história de namorados. O final me cortou as pernas fora.

Anônimo disse...

Belíssimo texto!

Anônimo disse...

Muito bom o texto,porém nao necessitava escrever o final da forma como o fez, poderia ter deixado "no ar" a ideia sem mostra-lá por completo...

Angelo disse...

Anônimo, nunca questione um autor. rs

o autor disse...

pois é.. poderia não ter revelado.. mas ficaria aquela coisa mais tranquila e batida.. uma 'estória' entre um casal e tal.. o final era pra ser um pouco surpreendente mesmo.. enfim..

yá!