domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um velho que anda

Saio de casa armado até os dentes. Atento, olho com todos os meus olhos para todos os lados. Estão querendo meu sangue e minha carne. Meu suor eles já tem. Tiro dos bolsos todas as minhas armas que são flores secas, chaveiros antigos e outros objetos de corte. Tenho fama de mau. Minha única fama. Mas ninguém tem medo de mim, só dos meus sonhos. Represento um perigo antepassado. Trago o cansaço dos anos nas rugas do meu rosto e a vontade de luta em brilhos de fogo que saltam das minhas mãos. Estive em guerras e batalhas e outras lutas improváveis. Venci quase todas. Quase! Fui beato em Contestado e Canudos, Capitão em Farrapos, Sepé nas Missões e um sem nome nas ruas. Envelheço na luta, nem sei mais qual, mas alguma que ainda tenha sentido. Tenho meus pés que sustentam a caminhada, cheiro de chuva na terra, beijo de humanidade em noites frias. Tudo isso ainda existe, acredite! Não é imaginação, não. É isso e muito mais! Ando pela Fernando Machado entre roncos e fumaça, pisando em asfalto depredado de tanto caminhão. Caio na vala ao lado e descanso por algumas horas ali mesmo. Quando retorno, retorno outro. Sempre outro. Nunca o mesmo. Não gosto de me repetir. O trago que bebo agora tem o aroma da noite e o sabor de uma canção mas velha do que eu. Nas falhas do Velho Oeste eu existo sem fins lucrativos. Ninguém me paga e ninguém me vê. Mas todos, no fundo, são como eu, forasteiros andantes sem residência fixa.
Eu prossigo sempre alegre e cantante. Escrevo alguns versos inúteis para a bela que passa. Nunca serão lidos nem publicados. Nunca serão. Versos, apenas versos. Versos pro mundo. Uma garotinha alegre me oferece uma bala. Fico feliz. Ela sorri e eu retribuo. Depois não contenho uma lágrima rebelde que me escapa. Pura felicidade. A garotinha é de verdade e a bala é doce, como ela. Sou um velho e já fui criança, acreditem! Não me chamem de senil, nem de melhor ou pior ou terceira idade. Nada disso! Aliás, não me chamem de nada. Quero ser esquecido. Se baterem na porta gritarei: “Não estou em casa!”.
            Já sei! Farei como o velho Tolstoi. Hoje, vestirei minha armadura de paz e fugirei de casa.

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