quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O pai que não sabia da teoria do caos

Fazia tempo que ela queria amar. Nunca pôde. Sua família ortodoxa impedia seus impulsos humanos para o amor, para o prazer, para o sexo. Tudo girava em torno da figura do pai. Ai da mãe se falasse assuntos de perversão com a filha. Ai do irmão se encostasse a mão na irmã ou tentasse um beijo mais intimo no rosto. Da escola pra casa de casa pra escola e nos finais de semana o culto. Música? Só louvação! Literatura só bíblica. Orar antes do café, do almoço, do jantar. Antes de dormir, com a família frente à capela e sob o olhar fiscalizador do pai. Ela cresceu no seu mundo repreensivo, punitivo, escuro, absoluto, mínimo. Não sabia o que era depilar, sorrir sem motivos, masturbar, fabular, questionar, pensar. Só seguia, obedecia, concordava, submetia. Nenhuma reação, nenhuma relação, nenhuma opção. O irmão fazia de tudo. Era homem. O pai fazia um pouco de tudo. Era homem. Uma olhadinha nas pernas da vizinha, no rebolado da sobrinha, na fartura da Cléo Pires, não iria interferir na educação sagrada da filha. Ninguém estava vendo mesmo. Além disso, era ele, o pai, o homem e chefe de casa. Se alguém percebesse o desvio de conduta, era só disfarçar balançando a cabeça e sussurrar: “Deus, tenha piedade!” Todos se convenceriam que era mesmo o pai um bem intencionado.
Os anos se passaram e a menina cresceu. Casou-se com o marido que o pai escolheu, indiretamente. O pai continuava zeloso e sonhando com a santificação da filha. Acreditava que ela cumpriria uma missão divina. Queria um neto homem para ter uma mãe santa e um avô pai de santa. E teve.
               Foi tarde quando a mãe e todos os outros perceberam que foi o pai que consagrou a desgraça da filha, que sem ter opção, virou a assassina do próprio filho. E diferente da vontade do pai, a filha nunca foi santa. O neto foi.

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