quarta-feira, 1 de junho de 2011

In vino veritas...


















Se baixo os olhos vejo o mundo dentro de mim. Se os ergo, vejo o mundo de fora. Há mais mundo dentro do que fora de mim. Meu corpo é um universo de coisas que durante anos eu alimentei. Voltei de uma viagem. E essa viagem foi longa. Durou o tempo necessário de uma queda. Uma queda à distância e de uma altura vertiginosa. A queda livre pra dentro de mim. O interior de mim mesmo. O eu cavernoso. O surto, o devaneio, a razão doente, a alucinação, a orgia dos sentidos, o impossível, o improvável, o intragável, o inatingível, o inabalável. Abandonei a formalidade dos dias úteis e sob uma lua de convulsão, me fundi ao infinito. Quando ainda criança, descobri meus primeiros sopros de liberdade. Um garoto de uma cidade de interior que ficou conhecendo muito bem tanto a loucura quanto a razão. Nesta transação foi que eu adquiri uma alma sonora.  A música pôs a primeira fatia de mundo dentro de mim, meus primeiros acordes. Depois, a literatura, a poesia indestrutível que até hoje ecoa na minha cabeça. Meus ouvidos e minha alma premiados com isso. Mais tarde, a imagem: a fotografia e o cinema. Por fim, a ciência, a filosofia, a História. E o mundo se abriu como um botão de petúnia que desabrocha na primavera. Tanto o mundo externo quanto o interno floresceram diante dos meus sentidos. Um mundo que completa o outro. Ambos conflitantes entre si. Ambos repletos de quedas e levantes, abismos infindáveis e superfícies magistrais. Meu coração de prata e o magma que corre pelas minhas veias. Meus olhos vivos. Meu amor de veludo. Minha dor lasciva. Meu esconderijo latente. Minha existência de luzes acesas e alguma escuridão. Tudo o que eu amo tem aroma. Tudo o que eu desejo tem poesia. Tudo o que eu, por algum motivo ignoro, existe dentro do meu pesadelo. Foram tantas conspirações entre um blues arrastado nos acordes errados da minha guitarra e bêbadas baladinhas de rock dentro da noite! Me deitei em camas macias e estrangeiras e tive experiências flutuantes de menino-cão que brinca sozinho em jardins secretos. Questionei a religião e estive no céu. Questionei a razão e me tornei outro...

Hoje, meu próprio manicômio sou eu. Questionei o mundo e conquistei a consciência num jogo subliminar de naufrágios esquecidos. Não fosse isso, seria um santo. Um santo partido num altar de rezas macabras. Aquele que em seu interior só leva valores inseminados pela insensatez de um deus promíscuo. Um corpo que carrega dentro de si um deserto. Seria assim se não me desse o luxo de experimentar, provar, sentir o sabor do mundo para no fim me fragmentar em dispostos e contraditórios lados de uma mesma caricatura. Cria de mim mesmo. Teatro triunfante no absurdo. Mais sutil do que o tombo de um inseto. Mais estrondoso do que mil sinos apocalípticos de anunciação. Eu, um homem e seus dois mundos paralelos e distintos. Eu, mundano & divino. Amargo, ácido e licoroso. Eu vivo prazerosamente destilando meu próprio veneno no meio dessa festa ‘tão sóbria’. Me tornei antídoto de mim mesmo & passo os dias sorridente como as crianças que correm sujas pela rua: Minha imagem para o paraíso!

Um comentário:

Julia disse...

Belo poema!