quarta-feira, 1 de junho de 2011

Sinfonia em dias decadentes

 O maestro que hoje deveria reger uma sinfonia num palco iluminado bebe seu rum deitado no sofá da sala escura. Olha para o teto enquanto se embriaga. Ele estudou anos e anos a fio para ser bom no que faz, e é. Fez calos nas mãos e no cérebro por isso. Hoje, decadente, espera o tempo passar. O velho maestro já foi mestre um dia. Era assim que seus alunos o chamavam. Era assim que a Escola e os pais de seus alunos o chamavam. Hoje, o maestro foi chamado de idiota por um aluno. Hoje, o maestro não saiu de casa pra ensinar, preferiu o rum. Enquanto bebia pensava no tempo em que era respeitado e admirado. Pensava no tempo em que o seu conhecimento sonoro tinha valor. A garrafa de rum já estava quase no seu final. Ligou a tevê e viu coisas mirabolantes e hipócritas. Viu a música que tanto ensinou ser tratada como uma puta. Pensou: ‘Não se trata uma mulher assim!’. Tendo em vista que toda a puta, além de puta, é mulher. Puta é só uma palavra, um rótulo desmoralizador na boca dos ignóbeis e insensíveis que contaminam este mundo com suas mediocridades. Na boca de um poeta, puta se torna uma palavra mágica e bela, e o maestro sabe disso. O maestro sabe que o que vale é o motivo, o tom de voz, o modo que a palavra é dita, e não ela por si só. Sabe que isso faz toda a diferença. Ao contrário do estúpido, o maestro é cauteloso com seu tom de voz, assim como o poeta é com a palavra. Mas isso não entra na cabeça dura dos que falam mais, muito mais, do que ouvem. Falam pelos ouvidos, depreciando a função dos mesmos. O maestro também era chamado de professor e artista. O maestro tinha sonhos e como sua música, seus gestos eram sonoros. O maestro era sonoro, pois sua função ecoava. Hoje, o maestro é visto como um miserável na fila de espera. Um pedinte que depende da vontade alheia. Bem menos do que um burocrata qualquer ou qualquer um que seja chamado de artista na televisão. Tem menos voz ativa do que estes. Deu um ultimo gole no rum e atirou a garrafa na tevê. Levantou cambaleante do sofá e decidiu voltar pra escola. Embriagado suportaria a estúpida realidade.


Um comentário:

Lia Bukovsky disse...

"Embriagado suportaria a estúpida realidade".