quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sem nome ... (o fragmento do lobo)

Pela manhã um raio de sol atravessa a fresta da parede e vem dar no meu olho - & eu acordo neste dia iluminado. Lá fora os pássaros cantam e as pessoas passam apressadas para os seus trabalhos – são tão responsáveis e cheias de compromissos! Crianças saltitam e gritam pelas ruas no caminho para a escola. Eu me viro nesse desconforto cotidiano, desviando o raio de sol do meu olho e ele se fecha e eu mergulho no nada. Uma récua de cavalos passa por mim. Estão a galope, todos eles. Depois, uma manada de búfalos e no fim, a alcatéia de lobos. Todos passam. Eu fico. Um lobo da estepe, solitário, empoeirado, uivando na distância. Elevo meu uivo enquanto o vento sopra e bate no meu rosto. Volto à superfície. É quarta feira, e mais uma vez falto ao trabalho. Amanhã sei que chego e assino o papel da justa causa. Mas amanhã é amanhã. Trato logo de levantar e pensar no que vou fazer hoje. Já que tenho meia manhã e uma tarde inteira de claridade pela frente. Mas não me vem nada na cabeça. Ultimamente ando sem criatividade. Preparo uma xícara bem forte de café com algumas poucas colheres de açúcar que é pra não provocar a crise de diabetes que adquiri com uma única xícara de café que Hermínia preparou um dia pra mim.  Hermínia quis me matar com seu café - ou no mínimo, deixar minha vida mais doce. Café forte, bem como eu gosto, porém, doce, doce, doce... Doce como os beijos de T.Tessa. Decerto Hermínia quis adocicar um pouco o amargo dessa nossa vida. “Hei Harry! Você precisa reagir!”. “Reagir?” – “Harry? Mas quem é Harry?”. O telefone toca e a voz doce de T.Tessa soa como uma canção de Charly Garcia nos meus ouvidos - & a canção se chama ‘El fantasma de Canterville’, baseada no conto de Oscar Wilde que leva o mesmo nome. “Olá Jack! Como você está?”. “Jack? Mas quem é Jack?”. Às vezes chego a pensar que Hermínia e T.Tessa são a mesma pessoa. Ambas falam comigo da mesma forma, dentro ou fora do silêncio que prevalece na atmosfera em que vivo. O mundo anda ruidoso demais e a tagarelice das pessoas me ensurdece. O tempo acelera e eu já estou na rua. Caminho com um poema aromático na cabeça. As palavras doem. As pessoas passam por mim e não me vêem. Os que me vêem me enxotam pra longe. Só as crianças me admiram com seus sorrisos. Um lobo solitário no meio de uma cidade transbordante de gente e em construção. Eis a significância do meu amor pela estepe. Aqui o vento uiva e eu sinto o sabor do café de Hermínia na minha boca cáustica. São os beijos doces e perdidos de T.Tessa que vem para me confortar...



Um comentário:

Almir Dalacosta disse...

Belo texto! Belas referências!