quarta-feira, 13 de julho de 2011

O chão é o limite

Beijo a lona ainda no primeiro assalto. De longe, você ri. Um riso de embaraço. Apavorada você agora se cala. Não agüenta o espetáculo. Meu sangue se esparrama pelo ringue. Eufóricos, todos gritam pelo nome do adversário. O meu, até eu esqueci. Quem sou eu já não interessa. Já fui ‘o astro’. Agora sou ‘o fracasso’. Mas eu suporto. Sempre suportei. Meus tombos sempre foram duros e solitários. O vermelho que sai da minha boca cáustica não é sangue. Antes fosse! É a tinta liquidificada da alma que verte nesse instante. Estou zonzo como um porco bêbado - e assim quero continuar. A dor me tira a razão deste mundo cheio de números falantes – e eles se chamam pessoas. Continuo pensando que são partes de uma equação. São tão simbólicos! Quase nada reais. Eu me dissolvo com a chuva ácida que cai lá fora e molha aqui dentro. Você não entende essa realidade. Ela não é sua. Não é de ninguém. Lembro de quando era alguém além deste corpo cansado, maltratado, decadente. Eu já fui belo. Eu já fui jovem e tive dias alegres. Uma alegria que, depois de anos, fui perceber, era forjada. Inexperiência de um sonhador. Utópico, idealista, acreditava na humanidade, participando do espetáculo sem ao menos perceber que eu era coadjuvante. Para os olhos cegos de toda essa gente – como os meus, eu era ‘o ideal’. Os que gritavam por minha ajuda esqueceram meu nome. Os que idolatravam minha imagem passaram a me ridicularizar. Os que diziam me amar esqueceram-se de mim. Nada daquilo tudo era verdade. Nada do passado realmente aconteceu. Tudo foi cena, teatro. Tudo foi espetáculo efêmero arquitetado para o entretenimento. Um entreter débil de cabeças domadas. Eles fizeram festa de mim. Minha imagem foi exemplo de sucesso enquanto eu, este que vos fala aqui de dentro, sempre fui um nada, assim como todos vocês também são. Nunca gravei o nome de ninguém. Nunca quis saber da vida privada daqueles com quem tive relação. A minha vida era A Vida – as demais, existências da carne em movimento limitado. Apanhei valendo da história. Apanhei como um cão magro e sarnento no meio da cachorrada por uma cadela no cio ou um pedaço apodrecido de osso. Agora renasço em outro plano. Não num plano divino ou extra mundano. Mas num plano paralelo onde vejo tudo mesmo não sendo nada. Curado da cegueira, sou um novo ser, sem presença, distinção nem substância física. Sou aquilo que você não percebe, só sente. Sou aquela parte da memória que você gostaria de apagar e que lhe tira o sono. A rasura da sua consciência.


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