sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O ato além da alegoria

Não se escreve apenas para convencer rebanhos ou conquistar seguidores. Nem tampouco para enfeitar o mundo ou alienar a vida. Não, eu não sou um escritor iluminado. Não tenho o dito ‘dom’ da escrita. Aliás, nem acredito nele. Escrever antes de tudo, e de um modo geral, é uma prática (pra mim, uma extensão da minha existência), e, independente disso ser uma profissão ou não, escrevo - ponto. Usar minha própria pessoa como objeto (sendo que, geralmente, escrevo na primeira pessoa) pode causar alguma impressão equivocada. A conformidade me entedia, assim como enxergar unicamente o próprio umbigo me causa repulsa. Quem se propõe a escrever também está disposto a ser lido, visto, conhecido, mesmo que minimamente, ser admirado ou questionado. Quem escreve forma e/ou deforma opiniões (me incluo na segunda opção).

Segundo Gorki: “O escritor é o arauto emocional de seu país e de sua classe, é seu ouvido, seus olhos e seu coração; é a voz de sua época. Deve saber tanto quanto seja possível, e quanto melhor conheça o passado melhor entenderá seu próprio tempo, (...)” – mesmo não tendo plena consciência disso, nem intenção. Alguém lê, absorve, repassa ou nega o que o texto traz de conteúdo. Existem aqueles que, movidos por uma falsa modéstia, não querem admitir que escrevem com certos interesses, enquanto outros, deixam claros seus motivos na própria linguagem do seu texto.

Assim, também devo concordar com Thoreau: “A arte da vida, da vida de um poeta, é, diante do nada o que fazer, fazer algo”. Gritar de dentro de um mundo ideal, seguro, distante da realidade, é apenas ‘masturbação’ - e não sexo. Certa direção e/ou apontamento na escrita também faz parte desta arte, deste ofício, desta vocação: “O propósito do escritor é afirmar, de uma vez por todas, ‘Ele disse’”. (Thoreau). Quem escreve busca o leitor. E há uma tomada de posição nisso. A neutralidade por vezes, acaba sendo um subterfúgio, uma covardia. O medo do risco, a fuga, a auto-proteção daquele que ‘diz’ mas não afirma, pois não quer se comprometer. Ninguém está alheio ou além disso: ‘Produziu, encara-te a ti próprio’ (manifesto tântrico-artístico).

Grandes mestres da literatura mundial, combativos e transformadores de linguagens, pensamentos e contextos, foram críticos em suas obras, como bem anotou Baudelaire: “Todos os grandes poetas tornam-se, naturalmente, fatalmente, críticos. Deploro os poetas guiados apenas pelo instinto; julgo-os incompletos.” E mesmo os pequenos ou medianos escritores, buscam a ‘grandeza’ de suas produções – mas não necessariamente a ‘grandeza’ das suas pessoas – só às vezes, não admitem isso. Nisso, ler é essencial. Ler além da superfície e daquilo que está expresso no papel, com a sensibilidade de visualizar, perceber e compreender. Todo bom leitor é também um crítico, e a crítica não se encerra no pensamento, ela quer a erupção da palavra, do verso, do verbo, da idéia.

Mas a leitura não necessariamente torna alguém mais amplo: “O livro é um espelho: se um asno o contempla, não se pode esperar que reflita um apóstolo”. (C. G. Lichtenberg) – e ela não basta aos que buscam algo mais do que a satisfação do próprio ego. Alguns representam, mas não são. Os que são, vivem em movimento constante. Nisso, produzir arte é produzir linguagem, comunicação: “A arte literária, oral ou escrita, vem a ser trabalhar a linguagem para que de fato contenha aquilo que pretende expressar”. (A. N. Whitehead).

O artista, além do discurso ou do status que o termo carrega, é aquele que atua, compõe, publica, amplia. E a arte tem sua função, e que não é meramente alegórica. Muito ‘poeta’ e nenhuma poesia, assim como, muito ‘filósofo’ e nenhuma filosofia – banalidades contemporâneas. Utilizar-se de determinada linguagem para nada mover, criticar, possibilitar, é reduzi-la ao superficial, onde as vaidades pessoais superam a arte e a própria linguagem.


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