domingo, 20 de novembro de 2011

Pesadelo olfatório















Ontem dormi ao volante. A sua imagem dependurada na parede da minha memória. Minha embriaguez em alta velocidade. O mundo se apagando a minha volta. Por algum momento abro os olhos sem voz e imóvel. O tempo passou. Não há ninguém pelo lado de fora, apenas o branco do teto, das paredes e da sua pele. Alguns perfumes, algumas vozes enfraquecidas e trêmulas me parecem familiares. A bebedeira foi tanta! Não dei conta de todo o álcool que ingeri. Eu que nunca fui disso, tinha uma máquina motorizada em minhas mãos – e sob meus pés. Acelerei o que pude nem me dando conta do mal que poderia ter causado a alguém. Mas por sorte ou alguma providência divina ou mesmo por um destino bondoso, acabei me arrebentando sozinho. Meu coração batia com tanta violência que parecia querer saltar do peito. Os motivos? Meus motivos! Num ímpeto suicida de inconsciência, atuei como um burguesinho irresponsável. “Quer se matar? Pule de uma ponte ou se pendure em qualquer lugar pelo pescoço. Mas não comprometa outros no seu ato de desespero e covardia. Se foi derrotado pelo mundo, admita, a derrota foi sua, só sua, mais de ninguém. O mundo prossegue e ainda há gente nele, inclusive, gente querendo ir adiante”. Mas eu não fiz por mal. Não fiz por um egoísmo, vaidade, arrogância ou algo semelhante. Foi a velocidade. Foi o cansaço. Foi a embriaguez. “Não! Não adianta! Isso não é pretexto”. Fui mesmo um idiota! Movido por um espírito de morte, ou sei lá o que, fiz o que fiz. Agora pago. Ainda bem, não envolvi ninguém diretamente e fisicamente nessa deterioração. A culpa é toda minha, eu sei. Admito! Meus olhos foram se fechando devagarzinho, no ritmo da música que eu ouvia, e eu fui me envolvendo, me envolvendo... Quando fechei os olhos pude te enxergar. E só havia você no caminho. Nenhum outro carro, nem um muro ou poste - você! Só você! Minha agonia, meu desespero, minha dor. Eu que nunca gostei de correr. Eu que não tenho fixação por carros. Eu que nunca quis me matar ou machucar alguém. Eu que nunca havia dormido ao volante antes. Eu que quase não bebo. Eu que nunca havia morrido de amor antes. Aqui é tão escuro e não tem ninguém. Só a sua imagem. Não tenho visão, não tenho fala, não tenho voz. Mas ainda me resta um pouco do olfato. O seu, o nosso aroma, que agora se dilui e se mistura com outro. Um cheiro de vela se propaga no ar...



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