domingo, 20 de novembro de 2011

Samanta com rum & eu

















Ontem choveu torto no meu apê que eu me molhei todo. Abracei a garrafa de rum e dormi molhado, por dentro e por fora. “Ah! Dane-se!”, pensei. Já estava duro de trago mesmo. Me joguei na cama, puxei o cobertor peludo que ganhei da minha avó de herança e apaguei. Acordei no meio da manhã com um arrepio na espinha. Meus dedos estavam churingados como bochecha de velha e meu estômago ardia. A garrafa de rum ainda tinha um gole, um bom gole. Minha boca seca. Acabei virando a garrafa. O céu da boca, um céu aberto. A vermelhidão do crepúsculo num fim de tarde primaveril onde revoadas de pássaros passam formando uma paisagem para os poetas mais românticos escreverem algum verso meloso. E o rum queimando tudo: “Fogo neles rum!”. Levanto da cama e meus sapatos estão fedendo. Eu não lembro de ter urinado nas calças. Eu não lembro de ter guardado algum naco de carne dentro dos meus sapatos. Só lembro de ontem a noite, antes da minha chegada em casa. Pulei o muro e subi as escadas acompanhado. Quinto e último andar desse miserável prédio. Mas antes disso, de tudo isso, do banho de chuva, do rum, da cama, eu estava num bar com Samanta. Nome de travesti. Só nome. Samanta, antes é um anjo do apocalipse que veio pra me buscar. Olhos oceânicos no meio de toda essa escuridão sem fim. Me jogou na cara uns versos meio evasivos, meio adolescentes, porém, com uma força vinda de algum lugar por onde Rimbaud decerto um dia descansou. Samanta me parecia ingênua, indefesa quando a vi. Mas logo, logo, se mostrou uma jovem corrosiva, dessas que só ébrios como eu ousam dar as costas. ‘Ei Tango, você é um imbecil! Um doce e raro imbecil! Me diga uma coisa. O que te leva escrever praquela revista horrorosa?’. ‘O dinheiro baby! Grana! Compreendes muchacha?!’.  ‘Se você pagar mais um drinque, acho que passo a compreender’. ‘Ókei baby!’. ‘Ei seu Artidor, traz mais um trago pra minha amiga aqui...’. ‘Amiga? Mal te conheço!’. ‘Tá bem... Pra minha...’. Depois disso, lembro de algo como um beijo doce que arrancou um bife dos meus lábios e dos vários goles de rum que dividimos enquanto a inveja dos deuses, como raios, despencavam do céu. Veio a chuva e os corpos molhados em movimentos ritmados e, às vezes, sem ritmo algum. Depois de um cochilo, como uma criança desamparada, Samanta me abraçou com força por alguns segundos. Depois desapareceu escadaria abaixo. Eu fiquei imóvel feito um animal empalhado, ouvindo os últimos ruídos que se foram com os passos de Samanta. E foi isso...



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